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Manuel Guimarães, o + antigo
27-03-2020
 

José Duarte - Raros são. Era pois imperioso questioná-lo. Mais assim alguns dados para uma História por fazer e que dificilmente será escrita. É curta e pobre. Com que idade deu pelo jazz pela primeira vez?

Manuel Guimarães - Teria então 17, 18 anos. Era raro ouvir jazz na rádio nesses anos quarenta. Se bem me recordo anunciavam-se “melodias de Broadway”, Glenn Miller, Artie Shaw ou Harry James, de preferência a Ellington ou Basie.

JD - Qual foi o seu primeiro disco de jazz? Certamente em 78 rpm.

MG - “Ring dem bells” de Lionel Hampton com os ellingtonianos. Os primeiros 78 rpm. de jazz curiosamente apareceram num bazar desta cidade nas etiquetas His Master’s Voice e Parlophone. Custavam 37 escudos e 50 centavos, nada barato para uns 7 minutos de música...

JD - Alguém conhecia jazz nos anos 40 em Portugal?

MG - Um núcleo a princípio reduzido que se foi alargando numa procura de divulgação. Em fins de 40, duas séries de programas em estações locais, mais tarde audições comentadas no Clube Fenianos Portuenses, associações recreativas, com apoio do Cine Clube do Porto. Mas divulgação já a iniciara Luis Villas Boas com o programa Hot Club em Rádio Clube Português, e artigos no semanário Rádio Mundial do jornal “O Século”. Teve aí suas raízes esta paixão de longa data...

JD - Consta-me que era proibido anunciar um concerto como música de jazz, usava-se música de dança para ultrapassar as dificuldades – confirma?

MG - Era normal, e isto já desde os anos 20, anunciar-se a actuação de uma jazz-band, os seus músicos de jazzbandistas.

JD - Sempre houve uma bipolarização geográfica de apreciadores de jazz: norte v. sul?

MG - As condições eram diferentes. Lisboa desde cedo possibilitou mais oportunidades de prática e convívio. Exemplar o caso do HCP que já passou meio século de actividade, enquanto a secção de jazz da JMP poucos anos durou.

JD - Havia, quando era novo, um público português para o jazz?

MG - Creio que não. Ainda era impensável contratar um conjunto estrangeiro. Em 50, para a Queima das Fitas de Coimbra, tarde do parque, os custos para Duke Ellington excediam os 3000 dólares, para Benny Goodman 2000. Valeu-nos um quarteto liderado por George Johnson, então em Lisboa.

JD - Como recebeu o então jazz moderno, o jazz de Parker e companhias?

MG - Um 78 rpm de Gillespie,” 52nd street theme” terá sido a estreia com o bop. Penso que a princípio aderi mais a Gillespie que a Parker. Mas não foi de um dia para o outro. Muito útil a defesa esclarecida de Charles Delaunay, publicada em Dezembro de 50 na revista Jazz Hot, aquando da campanha da facção de Hughes Panassié.

JD - Qual foi o primeiro concerto de jazz a que assistiu?

MG - Count Basie no cinema Império, com o vocalista Joe Williams, em 56.

JD - Nos anos 40 havia músicos portugueses que tocavam jazz? Quem?

MG - Recordo uma actuação no café-restaurante “Chave d’Ouro” em Fevereiro de 48.Entre outros citaria Art Carneiro, clarinete, Luis Sangareau, bateria, Fernando Albuquerque, trompete, João Santos, piano, Jorge Machado, bateria, Domingos Vilaça, clarinete...

JD - Lia livros e revistas estrangeiras de jazz?

MG - Jazz Hot foi a primeira que assinei. Mas consegui algumas publicações célebres de André Hodeir, Robert Goffin, Barry Ulanov, Hughes Panassié, Ralph de Toledano.

JD - Deu pela fundação do Hot Clube de Portugal?

MG - Data de 46 a minha correspondência com Luis Villas Boas. Acompanhei o processo lento, penoso, mas conseguido da sua legalização – 16 de Março de 50. Uma delegação do Hot no Porto enfrentaria dificuldades semelhantes, a que o regime político vigente não esteve alheio. Além do problema de arranjar uma sede, o que não foi ultrapassado.

JD - Quem eram os músicos estrangeiros mais populares na Europa? E em Portugal?

MG - Percursores foram Louis Mitchell, Marion Cook, Paul Whiteman e a Original Dixieland Jazzband nos anos 20. Mas foi com as digressões de Ellington, Armstrong, Coleman Hawkins, Benny Carter e Bill Coleman, entre 33 e 35, que o jazz ganhou maior popularidade. Mas seria Sidney Bechet o mais querido, ao passar a residir em França. Teria vindo a Lisboa na orquestra de Sam Wooding em 28 ou nas “Black Folies” de Louis Douglas? No nosso país só me lembro de Piet van Dijk, Pops Whiteman, Don Byas, George Johnson...

JD - Tem preferência por algum estilo de jazz ou ouve todos e aprecia?

MG - Procuro estar ao par do que vai aparecendo, mas continuo a reescutar os históricos com assiduidade. Nada fácil, que a oferta é avultada. As estrelas acabam por ter algum peso. Era critério de escolha “quem toca o quê e quando”, mas ”o quê”, salvo um ou outro caso, já não diz nada.

JD - Quais eram as relações da imprensa escrita com o jazz nos primeiros tempos, como amante de jazz, que viveu?

MG - O jazz não era notícia. Vejamos o exemplo de uma publicação regular. Só em fins de 90 apareceu o” Papel do Jazz”, recentemente a “All Jazz”. Nessa década de 40 eram já numerosas em vários países, e.g. Jazz Tempo, Swing Music, Jazz Wereld, Musica Viva, Orchester Jornalen, Síncopa y Ritmo, Jazz Forum...

JD - Ouvia jazz em onda curta? Na “Voz da América” com Willis Conover?

MG - Tempos houve em que escutava esse programa. Conover referia simplesmente o essencial: tema, data e personnel.

JD - Nos seus tempos dançava-se jazz?

MG - Em salões, night-clubs, no Maxim’s dançava-se fox-trot, charleston, one-step...Talvez bem mais tarde um ensaio de lindy-hop.

JD - Tem um bom acervo de jazz, assim julgo - importa-se de o descrever?

MG - Conservo uma razoável colecção de 78 rpm., uns tantos milhares de LPs, CDs, livros, vídeos, revistas e muita documentação.

JD -Viveu grande parte do passado do jazz, quer dar uma opinião sobre o seu futuro?

MG - Os anos de militância passaram, tiveram outro sabor, por vezes intensamente vividos, como em Cascais com Miles e Ornette. O caso é que o jazz é mesmo “outra música”. Nasceu híbrido, cresceu, evoluiu célere. O “ter swing”, a improvisação, uma blues intonation foram essenciais na sua afirmação. E também por mutações sociais, de que o bop e o free foram reflexo. Cedo se abriu a outras culturas, diversificou-se, a cada passo seu espectro se amplia. A universalidade de que desfruta, a dimensão interpretativa-criativa e um sentido rítmico muito próprio que mantém, são factores que decerto lhe assegurarão continuidade.

 The End

joseduarte@ua.pt

 

 

 

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