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Adelino Mota
22-09-2010 00:00
 

José Duarte - como surgiu seu interesse pela Música e pelo jazz em particular?

Adelino Mota - Comecei a tocar saxofone alto aos 9 anos (1974) numa banda filarmónica, influenciado por um vizinho já com idade que tocava clarinete que me ensinou solfejo e me levou para a banda. Morava em Valado dos Frades e nessa altura "lá na terra" não havia nada e tive de ir para uma terra vizinha, a Maiorga. Fui crescendo e o gosto pela música aumentando, nessa época não havia escolas e conservatórios perto. Tive de esperar pelos 18 anos para poder ir para o Conservatório de Coimbra, minha terra natal e onde tinha família. Fui estudar flauta (porque eram mais baratas que os saxofones) e, embora a estudar clássico, foi em bares a tocar em bandas de "covers" que me fui apaixonando cada vez mais. Comecei a ouvir jazz com os amigos com quem tocava, passávamos dias e noites inteiras a ouvir, a tentar perceber como e o que tocavam e lá íamos tentando ensaiar alguns temas. A única escola de jazz que tínhamos ouvido falar ficava lá muito longe, em Lisboa. Entretanto o amor ao Valado levou-me a partilhar com as crianças da terra o pouco que sabia na altura e fundei a escola de música na junta local e que está na génese da orquestra juvenil e da big band da Nazaré. Devido a um grave acidente, fiquei sem destreza na mão direita. Deixei de poder tocar e o que queria ter continuado a aprender como músico, comecei a tentar incutir nos alunos, o gosto e a vontade de tocar jazz...

JD - porque e como se decidiu pela direcção de uma big band jazz?

AM - Estava e estou muito ligado ao clássico e em particular às bandas. Quando deixei de poder tocar, decidi apostar na minha formação como professor e como maestro. A big band é um dos resultados do meu trabalho durante anos. Comecei a ter bastantes alunos e para eles evoluírem decidi formar a big band (1999), procurei ajuda para saber mais do assunto o que me levou 3 vezes aos US para participar em workshops sobre big bands e penso que hoje tenho um "Know-how" que me permite desenvolver com dignidade este trabalho.

JD - para si o que é jazz?

AM - O jazz é em primeiro uma paixão. É como aquela menina gira com quem passámos uns bons bocados mas não chegámos a casar com ela. É a vontade de ter liberdade, que "não temos no clássico". É a possibilidade de harmonizar sem preconceitos. É a vontade de ir em frente e arriscar. É o prazer de fazer e partilhar música de momento com quem estamos e/ou nos ouve. É o que quisermos sentir...

JD - sua opinião sobre seguintes big band jazz e seus directores: 'Duke' Ellington, Gil Evans, Maria Schneider, Woody Herman, Carla Bley e Fletcher Henderson

AM - Todos os nomes mencionados na pergunta, são e serão as grandes referências. Cada um na sua época e corrente são incontornáveis para quem quer e conhece o som de uma big band. É evidente que ainda faltam aqui alguns que também muito admiro e de quem muito tenho "tirado"... mas dizer mais destes "monstros"... a minha opinião e o meu trabalho são demasiado insignificantes comparados com a genialidade de todos os que refere.

JD - como surgiu possibilidade de trabalhar com a Câmara Municipal da Nazaré?

AM - A minha relação com a Câmara vem desde 1988, quando fundei a dita escola de música em Valado. Desde aí sempre apoiaram os projectos que fui apresentando. Como estou sempre a renovar os "miúdos" e com projectos novos, continuam a apoiar o meu trabalho.

JD - sua impressão sobre o valor jazz dos músicos portugueses?

AM - Nos últimos anos a evolução dos músicos de jazz em Portugal foi muito grande. Quer em quantidade, quer em qualidade. Muitos foram os que tiveram a sorte (e dinheiro) de poder ir estudar fora e voltaram com os conhecimentos e os partilharam cá, na maioria dando aulas ou com experiências como músicos. Penso que conheço a maioria dos músicos de jazz deste país e tenho por eles um grande respeito. Há já trabalhos excelentes feitos por portugueses. Pena é que na altura dos programadores prepararem as agendas para as salas ou para festivais, esquecem-se deles e convidam estrangeiros com força, sabe, pensam eles que será mais fácil atrair público com nomes esquisitos e que a maioria do pessoal nunca ouviu falar, mas é de fora é melhor... é mentira, cá há muito bom jazz... Acho é que faltam espaços para dar mais oportunidade aos nossos, porque como se sabe, no jazz quanto mais se toca melhor.

JD - escreve arranjos para a Orquestra da Nazaré?

AM - Para a big band agora não. Fiz e faço muitos para os pequenos, porque sei o que cada um toca e posso distribuir as linhas e harmonias onde sei que se vão ouvir melhor, etc. O repertório que uso na big band é repertório que mando vir, essencialmente dos US, porque eles têm centenas de compositores e arranjadores excelentes e cujos temas estão super testados e são bons garantidamente. Seria um desperdício de tempo estar eu a fazer arranjos e ainda por cima nada garante que, para um nível alto, ficassem bons... 

JD - há músicos bons leitores e não solistas?

AM - Claro, hoje em dia para se tocar em jazz-ensemble é essencial ter boa leitura. Algumas composições têm um grau de dificuldade nos arranjos que seria praticamente impossível a todos os elementos memorizá-los, por isso têm de ser bons leitores. Conheço solistas que também são excelentes leitores e também conheço músicos que tocaram nas grandes big bands e nessas nunca fizeram um solo. Acho que esses termos de leitor ou não leitor estão completamente ultrapassados... Costumo dizer "aos meus meninos" quando lhes estou a dar aulas: "não é preciso saber ler para tocar, há muita gente no mundo que toca só de ouvido e toca muito bem, mas hoje é fundamental saber ler para estudar, evoluír e tocar em formações alargadas"

JD - escolhe os solistas para os diferentes temas na Orquestra da Nazaré?

AM - Sim, os arranjos têm sempre a possibilidade de optar por vários instrumentos para solar. Escolho os solos também com a opinião deles e a maioria das vezes é em pleno palco, segundos antes de começar o tema que me viro para eles e pergunto: quem quer solar nesta?

JD - discografia e acesso aos cds da Orquestra da Nazaré?

AM - A big band tem já 3 cds editados. Apenas se podem agora comprar os dois últimos, Filme 2006 e 10 Anos de 2009. A maioria é vendida nos concertos que felizmente temos tido bastante. Mas também é possível comprar via Internet no site da editora: http://www.lusitanusedicoes.net/

JD - swing ainda hoje é elemento jazz fundamental?

AM - Costumo dizer que "swing é a atitude" que tem de ter quem quer tocar jazz. Portanto será a alma de tudo, não?

JD - em que princípios se baseia sua escolha do repertório?

AM - Tem sido por fases. Isso é visível no alinhamento dos cds. Esta big band não tem preconceitos, nem que dar provas a ninguém, portanto desde que os arranjos dêem prazer aos músicos e a mim podem fazer parte do repertório. Já tocámos muito tipo de temas e acho que tenho obrigação de continuar a experimentar novas coisas, estou atento ao que se passa nas big band's de estudantes pelo mundo e cada vez mais se tem de variar, só assim continuamos com os músicos entusiasmados e isso passa para o público.

JD - conhece a obra de Sun Ra? sua opinião

AM - Conheço, não profundamente. Não sou propriamente fã. Musicalmente até tem algumas coisas que gosto, mas a postura e todas aquelas "pancadas" com visuais e rituais, sinceramente não me dizem nada.

JD - já pensou 'desdobrar' a orquestra em combos?

AM - Penso que uma orquestra não se desdobra. Já fiz e faço vários combos com alguns elementos da big band, mas faço-os essencialmente com os mais novos que ainda não tocam na big band. Por exemplo, tenho participado com combos na festa do jazz do São Luiz.

JD - organiza também um já antigo Festival Jazz - como tem decorrido?

AM - O festival do Valado é realmente já uma referência. Foi o primeiro festival da região centro do país. Tem as suas limitações, sobretudo de carácter orçamental, por se realizar numa terra pequena. É organizado por um grupo de voluntários e no seio de uma colectividade fundada em 1933 para combater o analfabetismo da população. Este foi, e é o mesmo espírito que nos faz seguir. É fácil atrair umas centenas de pessoas a ir ver um concerto a uma grande sala tipo CCB ou Casa da Música, quando o artista tem um grande nome estrangeiro e todos os jornais, rádios e tv's dizem antes que é muito bom, blá, blá, blá... Difícil foi e continua a ser pôr umas dezenas a ouvir jazz, numa sala pequena, da qual os jornais nacionais, rádios e tv's nunca falaram, onde os críticos não vêm, onde se dá oportunidade aos portugueses de tocarem... Mas vai correndo e felizmente tem tido e formado muito bom público!

JD - que é para si free jazz?

AM - Isso é uma coisa muito complicada... Quando há uns bons anos ouvi os primeiros temas de free... era com músicos que já conhecia de ter ouvido noutros projectos "mais in" e dei por mim, ainda puto, a pensar: "pois estes gajos já tocaram tudo e com o conhecimento que têm podem dar-se ao luxo de tocar o que lhes vem à cabeça..." Mas agora com mais uns anos em cima, fico sem saber o que é o free, agora também confundido com música improvisada e vice-versa, dou comigo a pensar: "estes gajos deviam ir aprender a tocar"... portanto estou confuso em relação à pergunta.

JD - sua opinião sobre o estado novo do jazz em Portugal

AM - Penso que já opinei sobre este tema nas respostas anteriores. Mas insisto que o que falta no jazz em Portugal são programadores, críticos, jornalistas e políticos que nele apostem. Só assim ele pode chegar ao público. Tenho defendido que o jazz é para todos e não para algumas minorias como muitos parecem defender. É como na música erudita, só lhe chamam "erudita" para lhe dar um ar mais sério e para filtrar as pessoas nas salas de concerto. Os grandes compositores da história da música e os grandes músicos de jazz sempre fizeram música para o povo e não para minorias... Agora há já, que me lembre, 4 escolas com cursos superiores de jazz, ou seja, estão a permitir que muitos jovens consigam ter acesso a informação, (estudar é outra coisa); destes, alguns vão ser muito bons, ok... e vão tocar onde? Como podem viver com dignidade a tocar? O estado do jazz está bom... o país é que nem para jazz...

JD - meia dúzia de big bands em Portugal espanta-o?

AM - Não, acho que até já temos bastantes. A geração anterior à minha nada fez para que houvesse mais, por isso agora vão aparecendo devagarinho. Há muitas que se denominam de big band's mas fazem essencialmente música ligeira destinada ao sucesso rápido do público das suas terras, mas com o tempo e com a tal evolução dos músicos provocadas pelas escolas superiores, acho que o panorama vai mudando.  

JD - aceitação / convites do CCB, Cada da Música, Culturgest, Gulbenkian para concertos pela Orquestra da Nazaré ou em Festivais portugueses?

AM - Penso que alguns programadores têm preconceitos em relação a convidar uma big band como a nossa, que tem estudantes e amadores. Os que arriscam, penso que não têm tido razão de queixa! Mas temos tido alguns convites bem honrosos, tenho medo de me esquecer de uns quantos, mas destaco alguns: Festival de Jazz de Pontevedra, Festival de Música de Medina del Campo, Festival de Jazz da Alta Estremadura, Festival de Jazz de Aljustrel, Festival de Jazz de Portalegre, Festa do Jazz no Teatro S. Luiz, nos Encontros de Jazz de Évora, no Festival de Tomar, Palco 1º de Maio da Festa do Avante, no Hot Club de Portugal, Bflat em Matosinhos, no Jazz às 5as do CCB, em diversos concelhos através do Portugal Jazz, na Festa da Jazz.pt (onde lançamos o cd), para a EGEAC, etc... Já tivemos como convidados em concertos: o Carlos Martins, a Joana Rios, a Jacinta, o Sérgio Carolino, o Claus Nymark, o Mário Marques, acho que me estou a esquecer ainda de alguns... E cá estamos para continuar!

JD - obrigado Adelino Mota

 


 
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