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Alexandre Diniz
17-05-2009 00:00
 

José Duarte - quando lhe apareceu a primeira tendência para as teclas?

Alexandre Diniz - Ainda bem que pergunta "teclas" e não "piano", porque a minha aproximação aos instrumentos de tecla não começou necessariamente pelo piano. Recordo-me que tinha alguns amigos com piano em casa, outros com teclados electrónicos... A minha mãe trabalhava para uma professora de piano e eu ia muitas vezes a casa dela e passava tardes sozinho a explorar o instrumento. Ela incentivou-me bastante mas nunca cheguei a ter aulas com ela. Também me lembro de visitar um amigo de um amigo, que acabara de chegar de Inglaterra com um novíssimo sintetizador Roland Juno 106, e de ele nos fazer uma demonstração. Fiquei fascinado com o som e com o aspecto daquilo... curiosamente o meu primeiro instrumento de tecla acabou por ser uma melódica.

JD - estudou e tocou primeiro ‘clássica'?

AD - Antes de tudo comecei mesmo sozinho. No início tocava de ouvido e de uma forma ou de outra acabava por descobrir como tocar as coisas que gostava. Também tinha um grupo de amigos que tocava e ouvíamos muita música juntos. É a história do costume, um grupo de adolescentes curiosos que partilham as mesmas paixões e formam bandas de garagem. Foram tempos valiosos em que se treinava muito o ouvido, copiando coisas dos discos. Faz-se pouco disto nas escolas. Depois achei que devia levar o assunto mais a sério e fui estudar para o Hot Clube. Teoria apenas, porque não tinha dinheiro para as aulas de instrumento. Mais tarde estudei piano e o resto das disciplinas habituais, Formação Musical, Análise e Técnicas de Composição, etc. no Instituto Gregoriano de Lisboa. Estudei cerca de três anos de piano clássico, mas os meus gostos já estavam muito definidos nessa altura. Tinha 17 anos, estudava num velhíssimo Fender Rhodes, os estudos de piano tinham "triads" maiores e eu queria ouvir acordes menores de décima primeira e modos dóricos...

JD - como lhe surgiu o jazz como Arte? conhecia jazz antes de o conhecer como músico?

AD - Lembro-me de ser criança e por vezes ver na televisão uns senhores de raça africana, vestidos de fato e gravata mas muito transpirados, com saxofones, trompetes... Tocavam uma música muito intensa mas que não me prendia a atenção. Mais tarde comecei a gostar muito de blues e a ouvir o B.B. King, o Muddy Waters, o John Lee Hooker... Foi por aí que comecei a entender que aquela música começava com o tema, no meio havia solos improvisados e no fim voltava-se ao tema. Percebendo essa forma e adquirido o interesse pela música negra americana, chegar ao jazz era inevitável. Nessa altura já tocava e, como acontece a muitos, a primeira escala que aprendi para improvisar foi a escala de blues, que me foi ensinada por um amigo guitarrista, obviamente! Para responder à pergunta, o jazz surgiu-me quando já tocava, e lentamente comecei a aperceber-me que aquela música tinha mais para me ensinar acerca daquilo que eu gostava de ouvir e tocar, do que a música clássica.

JD - as teclas de um piano acústico são instrumentos que servem a percussão - comentário

AD - Bom, teoricamente o piano é um instrumento de percussão. Nesse sentido acho que esta frase se refere ao facto de, tal como o contrabaixo numa secção rítmica coesa, o piano é uma "percussão com notas"; tem o dever de assegurar um bom tapete rítmico para os solistas que acompanha, mas ao mesmo tempo proporcionar um "colorido harmónico". De qualquer forma acho a afirmação um pouco redutora; o piano é tanto mais que isso...

JD - começou por estudar solfejo? estudou jazz?

AD - Como disse atrás, estudei solfejo no Instituto Gregoriano de Lisboa. Antes disso, já tinha estudado música numa associação cultural. Estudei também na escola de jazz do Hot Clube, na Academia de Amadores de Música e no curso superior de jazz da ESMAE no Porto.

JD - qual foi o primeiro teclista jazz que ouviu? e qual o outro de outra Música?

AD - O primeiro de qualquer das músicas, não sei bem quem foi. Não se começa por ouvir só um. Ouvem-se vários e depois há uns que nos prendem mais a atenção, outros menos... Lembro-me de gostar muito do "Koln Concert" do Jarrett, muito antes de o ouvir tocar jazz. O Pat Metheny Group e o seu teclista, o Lyle Mays, chamaram-me imediatamente a atenção porque traziam na sua música uma mistura da linguagem do jazz, que era novidade para mim, e do rock que me era familiar. Da mesma forma me atraiu muito a música dos Weather Report, embora não me tenha influenciado tanto. Neste grupo quem mais me impressionava era o baixista Jaco Pastorius. Devo salientar que sempre recebi a influência de músicos de outros instrumentos, por vezes até bastante mais do que de pianistas ou teclistas.

JD - quando será editado seu primeiro cd? com quem toca? qual a escolha de quais melodias?

AD - Se tudo correr bem, o primeiro cd do "Alexandre Diniz Quarteto" - que se chama "Alba", será editado no próximo mês de Setembro. Refiro-me ao cd desta forma e não ao "meu cd", porque é o resultado de um trabalho colectivo. A minha veia rock vai um pouco contra aquela prática comum no jazz, de gravar temas ao primeiro take, sem se conhecer o repertório com antecedência. Assim foi com tantos discos importantes na história do jazz, mas neste não. Este é o trabalho de um grupo, liderado por mim, mas com a contribuição de todos e isso conseguiu-se com muitos ensaios e muita dedicação de todos, à boa maneira rock. O objectivo aqui era conseguir um som de grupo, acima de qualquer individualismo. Infelizmente, por razões de agenda, em alguns espectáculos é necessário substituir um ou mais músicos do grupo, mas tento sempre que o quarteto original se mantenha. Todos são responsáveis pelo som do grupo. Estes músicos são todos meus amigos de longa data e a afinidade em termos musicais é essencialmente o que nos une. Com eles eu já sabia à partida que íamos tentar perseguir o tal "som de grupo" porque sabia que eles também pensavam dessa forma. Eles são o António Pinto nas guitarras, o Carlos Miguel na bateria e o Massimo Cavalli no contrabaixo. Eles acompanharam-me no meu recital final da licenciatura da ESMAE. Como o recital tinha que incluir repertório original, tive que compor alguns temas e transcrever outros que me apetecesse tocar, ou que fizessem sentido no alinhamento. Assim o grupo reuniu-se para o recital e em torno das minhas composições e escolhas - logo, da minha orientação - e por isso o grupo tem o meu nome, mas é um grupo, pelo qual eu dou a cara. Da mesma forma, quando chegou a altura de gravar o cd, também quis contar com as composições dos outros membros do grupo. O António apareceu com dois temas dele que se encaixavam perfeitamente na nossa sonoridade. Assim gravamos o "1900" e o "Sem Palavras". Os dois temas que não são composições nossas, são duas escolhas que eu fiz para o recital, de dois pianistas que eu muito admiro, o Lyle Mays e o Kenny Kirkland. Saliento aqui que adoro as composições não por serem de pianistas, mas sim por serem boas composições. Podiam ser de outro instrumentista qualquer. Sou muito interessado pela composição em si e não apenas como um veículo para a improvisação. Falta falar da inclusão do trompetista João Moreira, que tocou em dois temas. Achei que podíamos colorir alguns temas com um instrumento de sopro, sem que para isso passássemos a quinteto. Se calhar isto também vem da minha veia rock, mas cansa-me um pouco escutar um disco inteiro sempre com a mesma instrumentação. Se é suposto haver variedade de andamentos, dinâmicas, texturas, tonalidades, etc. porque não variar a instrumentação também? O João é uma mais valia neste cd e aproveito para lhe agradecer aqui a participação dele. Certamente que em futuros projectos vou sempre querer convidar músicos diferentes para alterar certas cores em certos temas.

JD - conhece a maneira de pianar de Earl Hines? e de Matthew Shipp? qual delas ‘segue'?

AD - O Earl Hines eu já conhecia mas o Matthew Shipp, tive que investigar, confesso que não sabia quem era. Felizmente que hoje há a Internet! Na verdade não sigo nenhuma delas. Reconheço a importância do Earl Hines na história do piano jazz, mas acho que ele influenciou mais as gerações anteriores, que por sua vez influenciaram a actual. Teve portanto uma acção indirecta, mas importante de qualquer forma. O Mathew Shipp, do pouco que fiquei a conhecer dele, pareceu-me que segue uma linha muito avant-garde, que também não é uma direcção que eu siga. Quem ouvir o "Alba" vai perceber porquê.

JD - pensa que conhecer a História dos sons jazz é essencial num instrumentista jazz de hoje?

AD - Sem dúvida! Não acho necessário conhecer profundamente, como um historiador, mas há músicos incontornáveis na História do jazz. Para se poder dizer que se está a tocar jazz, é importante saber o que é que o Parker andava a explorar, quando os seus contemporâneos diziam que ele soava "estranho", ou o que é que o Miles queria dizer, quando se referia ao uso do silencio e dos espaços. Não consigo conceber um japonês a querer aprender a tocar fado sem ouvir o que é que a Amália andou a cantar, ou um alemão a querer tocar bossa nova sem nunca conhecer uma canção do Tom Jobim.

JD - prepara seus discursos sonoros em solo nos clubes - nos auditórios - nos estúdios de gravação?

AD - Tocar jazz em qualquer instrumento requer que se pratique uma disciplina, que é precisamente a improvisação. Um intérprete de música clássica deverá focar todo o seu estudo e a sua energia para interpretar o melhor que souber, as composições que se propõe tocar. Não há nada que não esteja escrito na partitura. A diferença que haverá entre um e outro intérprete será a maneira como cada um interpreta a música escrita e a sua capacidade para executá-la. No caso do jazz há o factor imprevisto; há uma parte daquilo que vamos tocar que ninguém sabe como vai sair, mas é possível ter uma ideia. Há toda uma série de exercícios, frases, padrões, etc. que todos os músicos de jazz estudam para se aproximarem da linguagem que desejam tocar. Embora a música seja improvisada, não o é a cem porcento. Há fraseado estudado, há maneiras de abordar certas passagens da harmonia que são utilizadas por muitos músicos. É frequente o acto da transcrição e análise de gravações de solos dos mestres, por parte de quem estuda a linguagem do jazz, sem que para isso esteja comprometida a sua originalidade como músico. A improvisação aqui consiste em construir o discurso com algo nosso, misturado com frases típicas da linguagem que se aprende com os músicos que se admira, fazendo uma espécie de reciclagem do material em novos contextos. É por aí que podemos dizer se tal músico é influenciado por tal músico, pela quantidade de material "emprestado". Imagine a metáfora de um alpinista: ele não sabe que tipo de dificuldades vai encontrar na sua próxima escalada a uma montanha que não conhece; no entanto é melhor que ele tenha prática de escalar outros locais, que saiba usar as ferramentas, que tenha visto e aprendido com outros alpinistas, etc. Ele pode prepara-se o mais possível sem nunca saber o que vai acontecer ao certo. A maioria dos músicos prepara-se para tocar jazz, independentemente do local onde vão tocar, seja clubes ou auditórios, ou estúdios de gravação. No meu caso pessoal, sofro um pouco daquilo que se costuma chamar o "síndrome da luz vermelha", que é a luzinha que diz "Está a gravar!". Isto significa que quando sabemos que estamos a ser gravados, sabemos também que tudo aquilo que tocamos vai ficar cristalizado e isso traz um nervosismo adicional. Muitos músicos não se importam com isso. Outros, como eu, arriscam mais nos solos ao vivo, sem medo de tocar coisas "erradas".  Se gravarmos "coisas erradas" num disco, daqui a dez ou vinte anos, vamos poder ouvi-las e penitenciarmo-nos por isso. Talvez para mim seja essa a única circunstancia que influencie alguma mudança de atitude no meu discurso. E isso é algo que tento combater, claro. Quando ouço o "Alba", descubro logo uma série de coisas que gostava que tivessem saído de outra maneira. Isto faz parte do nosso crescimento, é uma das regras do jogo. De resto tentamos todos tocar sempre melhor, sem nos deixarmos influenciar por nenhum factor exterior. È uma busca contínua. 

JD - quem são os seus pianistas jazz portugueses favoritos?

AD - O meu favorito é sem dúvida o Mário Laginha. Antes de o conhecer pessoalmente já adorava a música dele e mais tarde tive o privilégio e a honra de poder ser aluno dele, num breve período que ele deu aulas no Hot Clube. Foi muito inspirador e ainda hoje me recordo de algumas orientações que ele me deu na altura, em meados dos anos 90.  

JD - e pianistas lá de fora quais são?

AD - Essa pergunta já é mais difícil porque estamos perante um universo mais vasto. Estamos sempre a descobrir músicos diferentes, discos novos, por vezes antigos, mas novos para nós... Uma descoberta recente para mim, que me marcou bastante, foi o Esbjorn Svensson Trio, um grupo sueco que descobri há poucos anos. Infelizmente o pianista Esbjorn Svensson faleceu no ano passado, novo demais e com muito ainda para dar ao mundo. Keith Jarrett e Lyle Mays foram dois pianistas com que tomei contacto ainda antes de ser um consumidor assumido de jazz, portanto são duas referências das mais antigas para mim. Desde então fui conhecendo muito pianistas, gostando mais de uns, menos de outros... Como todos os outros pianistas de jazz, acho o Bill Evans e o Herbie Hancock duas referências incontornáveis, para dar um exemplo.

JD - no jazz piano é instrumento relativamente frequente em uso - pense desde o jazz de New Orleans até ao free jazz - comentári

AD - O piano é frequente na história do jazz mas, como diz a frase, relativamente... Se pensarmos que o jazz também teve como berço os cabarets e os clubes nocturnos, certamente que havia muitos pianos e pianistas nestes sítios. Mas se pensarmos nas "Marching Bands", as bandas de rua de New Orleans, obviamente que o piano aqui não aparece. Curiosamente, e agora em relação ao free jazz, há dias conversava eu com o meu amigo José Menezes, que é saxofonista de jazz, e ele dizia-me que há muitos grupos de free jazz, ou pelo menos muitos músicos, que "evitam" o uso do piano nas suas formações. A imposição harmónica que o piano traz, torna-se um centro gravitacional indesejado pelos restantes músicos e é frequente encontrarmos formações de free jazz sem qualquer instrumento harmónico. Posto isto, obviamente que também há pianistas de free jazz, como em todos os outros estilos ou áreas do jazz. Concordo que "no dia em que o jazz nasceu" o piano estava lá e se manteve junto dele até hoje. Esperemos que continue.

JD - Keith Jarrett é um músico jazz sobre avaliado? - comentário

AD - Não concordo. O Keith Jarrett vale tudo aquilo que dizem dele e mais ainda. Sou um verdadeiro fã dele. Não colecciono os seus discos mas nunca ouvi nada dele de que não gostasse muito. E ainda me falta conhecer muita coisa dele...

JD - já tocou a solo em público? - comentário

AD - Já toquei a solo mas nunca fiz um concerto inteiro a solo. Recordo-me de ser adolescente, impregnado da cultura rock e blues, e de um amigo me emprestar precisamente o "Koln Concert" do Keith Jarrett e eu pensar "Hum... um álbum duplo (na altura em vinil) com um tipo a tocar piano sozinho este tempo todo? Isto vai ser uma seca..." Mas dei ouvidos ao meu amigo e ainda bem! Aquela música conquistou-me completamente desde os primeiros segundos. Tocar daquela maneira sim, prende a atenção. É preciso ter muitos argumentos para ir para cima de um palco tocar piano sozinho durante um concerto inteiro. Há uma espécie de nudez quando não estamos acompanhados por outros instrumentos e é preciso estar muito à vontade com essa nudez. É preciso também, na minha opinião claro, ter um controlo técnico do instrumento que eu não sinto que tenha. Não ponho de parte essa hipótese mas, por enquanto, estou mais virado para a comunicação entre instrumentos e instrumentistas, para a exploração e conjugação dos diferentes timbres, do que para a performance a solo.

JD - viu tocar em Portugal: McCoy Tyner - Jason Moran - Brad Mehldau - John Taylor? comentário

AD - Destes quatro apenas vi o Brad Mehldau em concerto e o John Taylor numa masterclass. Isto não representa nenhuma escolha especial, simplesmente não os vi, ou porque não estava disponível, ou porque não tinha dinheiro para o bilhete, que é também um problema de se ser músico profissional em Portugal... Se quer saber, adoraria tê-los visto todos. 

JD - que falta à cena jazz em Portugal? nada?

AD - Falta muita coisa. Porém falta menos do que faltava há dez anos atrás e isso é positivo. Se quiser que nomeie, acho que o primeiro item é falta de público. Depois podemos continuar: falta de editoras, falta de lojas para vender os cds, falta de apoios, etc. Parece que só estou a falar de aspectos económicos mas as pessoas esquecem-se frequentemente que os músicos não vivem do ar. Hoje em dia o jazz é uma música muito exigente, com muitos bons instrumentistas, que todos os dias passam horas a praticar os seus instrumentos. Não se pode ter outro emprego e ser músico de jazz em part-time. Bom, poder pode mas, ou não se consegue ir muito longe na carreira, ou se vive num sufoco em busca de tempo livre para praticar, compor, etc. O processo criativo não pode viver estrangulado pelo aperto financeiro, pelo risco de não se conseguir pagar a renda ou de não se poder comprar um instrumento melhor. Também é um facto que há músicos tão talentosos que não precisam de praticar muito para serem brilhantes. Esses bem-afortunados podem dedicar-se a resolver o problema financeiro por outras vias, sem que isso perturbe a qualidade das suas performances. Depois ainda há os que nunca conheceram dificuldades financeiras porque já nasceram em berço de ouro, nunca tiveram que lutar para comprar um bom instrumento e pagar aulas. Quando as necessidades básicas estão automaticamente resolvidas, o caminho do estudo e desenvolvimento musical é uma estrada alcatroada vazia à nossa frente. Temos à mesma que ter vontade e persistência para percorre-la. 

JD - queira comparar os silêncios de ‘Count' Basie a ‘todo o piano' de Art Tatum

AD - São duas realidades, ambas dentro de uma música tão vasta e tão abrangente como é o jazz. Da mesma forma que gosto de dias de sol, mas também encontro beleza nos dias de chuva, por vezes apetece-me ouvir os silêncios do Basie, outras vezes sinto-me mais virado para o piano total de Tatum. Porém a minha personalidade leva-me mais vezes para o lado do Basie. É a minha escolha pessoal.

JD - se lhe dessem esta possibilidade que cbaixista e baterista escolheria para um outro cd? portugueses e lá de fora

AD - Nunca pensei nisso nesses termos. Para mim é mais fácil pensar em músicos com os quais eu não me iria relacionar bem, do que o contrário. Talvez o Charlie Haden fosse um baixista com que eu gostasse de trabalhar porque partilho muito da sua visão musical. Quanto a bateristas, talvez escolhesse o Brian Blade pelas mesmas razões. De qualquer modo iria sempre escolher alguém mais pela sua visão musical, pela música que deseja fazer, do que pelo seu virtuosismo.

JD - toca blues? como - porquê?

AD - Já toquei e muito. Foi a minha escola de aprendizagem de rua, na minha adolescência. À conta disso, também tenho uma paixão pelo órgão Hammond, pelo Jimmy Smith, etc. Todos os estudantes de jazz têm que passar pelos blues, muito ou pouco mas têm. É uma fatia muito importante da linguagem do jazz mais tradicional.

JD - prefere standards ou originais? queira nomear um de cada ou mais...

AD - Depende de quem está a tocar o quê. Existem temas que eu comecei por não gostar deles, até aparecer alguém com uma versão que faz toda a diferença. O standard "Blame It On My Youth" tinha-me passado completamente ao lado até ouvir o Keith Jarrett a tocá-lo. É maravilhoso. Um dos meus compositores jazz de eleição é o Pat Metheny. Mesmo que haja uma composição dele tocada por outro grupo, sem que ele esteja a tocar, o seu estilo de compor é imediatamente reconhecível. Um tema dele inesquecível? Para mim é difícil escolher porque gosto de quase tudo o que ele faz. Estou-me a lembrar de uma balada que se chama "Always and Forever"...

JD - que peça piano jazz já gravada recomendaria ao povo que o está a ler?

AD - Tenho andado a ouvir um cd do Brad Mehldau que se chama "Largo". Há nele uma faixa que se chama "I Do" que é uma delícia...

JD - pensa que o swing ainda é preciso para se edificar uma obra jazz?

AD - Depende se fala de swing enquanto estilo musical, enquanto ritmo específico - tipo "colcheias de swing", ou enquanto termo mais lato que significa balanço, energia rítmica, "groove". Vou considerar este último. Acho que sim, que é preciso. O que eu quero dizer com isto é que, mesmo quando se está a tocar uma balada, a articulação das frases e a própria secção rítmica impõem um certo balanço característico de pessoas que estudaram jazz e que querem tocar dessa maneira. Mesmo que estejamos a falar de estilos mais mistos, seja um jazz com influência de rock, ou de música étnica, etc. a articulação do discurso musical revela até que ponto os músicos que a tocam estão ou não próximos do jazz enquanto herança musical. Para além de tocar, também dou aulas de jazz e noto que esse balanço inerente é algo difícil de incutir aos alunos mais iniciados, especialmente aqueles que provêm da escola clássica, onde esse tipo de articulação não é abordado. O que eu recomendo aos alunos é que escutem os discos dos mestres e que tentem absorver esse swing. Não é algo que um professor possa ensinar, tem mesmo que se ouvir, tentar imitar e, acima de tudo, querer mesmo tocar dessa forma.

JD - obrigado Alexandre Diniz

AD - Eu é que agradeço, José Duarte!

joseduarte@ua.pt

17 maio 2009

 


 
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