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Saxofonistas Portugueses
12-01-2002 00:00
 
1. Qual a sua educação musical e que instrumento(s) toca? 2. Quem foram seus Mestres a nível nacional e internacional? 3. Para além de jazz, que outras músicas ouve e pratica? 4. Qual é, para si, O DISCO de jazz? 5. Qual a sua discografia? 6. Dos concertos em que participou qual deles prefere? Porquê? Edgar CARAMELO n. Lisboa, 3 de Abril de 1959 1. Sou basicamente um autodidacta. Passei pelo Conservatório de Lisboa, pela Academia dos Amadores de Música, andei na Escola de Jazz do Hot Clube, na altura sob a direcção do Zé Eduardo e foi com ele, provavelmente, que aprendi mais. Nas escolas oficiais o ensino é completamente decrépito e castrante, pelo menos para alguém que queira fazer alguma coisa que não seja na linha daquilo que querem os professores da música clássica. Andei um ano no Conservatório, ainda com algumas ilusões acerca de poder tocar alguma coisa de música clássica, mas não conseguia conciliar, não tinha tempo para as duas coisas. Andei a aprender saxofone, mas não aprendi nada. Pelo contrário, tive alguns bloqueios por desentendimento em relação a como se deve tocar saxofone, porque o professor do Conservatório tem um conceito de som que não tem nada a ver com aquele que eu acho que o instrumento tem. O sax é um instrumento com personalidade própria, recente, que criou voz, creio eu, através dos músicos de jazz e não através de músicos clássicos. A ideia de som que o professor do Conservatório transmite aos alunos é de que ele deve soar a violoncelo. Eu não estava nessa, até que entrámos numa disputa e eu cheguei à conclusão de que estava a fazer perder tempo ao homem e a mim também. Basicamente, aprendi a tocar saxofone a ouvir discos e a ver alguns tipos tocar, entre os quais o Rao, que quando tocava sax era um caso sério. Toco todos os saxofones e tenho um teclado em casa, como é obrigatório para qualquer pessoa que toque um instrumento harmónico. O saxofone alto foi o meu primeiro instrumento e é aquele com que provavelmente tenho a relação mais difícil, porque é o mais difícil de, realmente, tocar bem. É o instrumento com o qual não se engana ninguém, ou se toca ou não. Os outros, embora não seja essa a intenção, são mais premiáveis. 2. Sem dúvida nenhuma que o Rao foi uma grande influência, foi determinante para que eu viesse a tocar saxofone. Embora já ouvisse jazz e música ligada à improvisação, a própria postura física do Rao, a força e a entrega dele aquela música e aquele instrumento apaixonou-me. Não perdia nenhuma noite no Hot Clube em que o Rao tocasse. Depois veio o Zé Nogueira, que é uma pessoa que eu gosto imenso de ouvir tocar e que é provavelmente um dos maiores saxofonistas, até arriscava a dizer, europeu, porque tem uma linguagem muito própria, muito original, é muito coerente a tocar, é belo. A nível internacional, há aquelas pessoas a quem não se pode fugir, Coltrane, Dexter Gordon, que eu gostava e gosto muito de ouvir, Sonny Rollins e Stan Getz. Depois há Miles que faz parte da coluna vertebral da música deste século. Qualquer instrumento que se toque, ninguém fica indiferente aquela maneira de tocar e aquela concepção, aquela melodia toda que ele tinha lá dentro. Outras referências importantes para mim são Prince e Ian Garbarek. Prince é uma extensão do Jimmy Hendrix e do James Brown e Garbarek sabe agarrar nas raízes tradicionais do país dele, da Noruega, e incorporar nelas improvisação. 3. Curiosamente, desde que comecei a trabalhar com Abrunhosa, tenho andado a tocar com alguns miúdos de 20 anos que me têm feito pensar e repensar uma data de coisas. Ou seja, estou a ouvir muito rap e hip hop e coisas desse género, que muitos músicos americanos também andam a ouvir. A mistura dessas coisas com as mais tradicionais dá uma fusão de elementos bestial. Estou super entusiasmado. Se calhar, esta é uma das formas que vai fazer com que o jazz não estagne. Para mim, habilidade é esse tipo de influências. Ouço muito funk, coisas antigas como George Clinton, Maceo Parker... Uma das pessoas que me encaminhou para o jazz, determinou e deu algum destino à minha vida foi Fela Kuti, quando eu conheci o seu trabalho era tipo o Frank Zappa de África, misturava todo o tipo de música. Vivia eu na África do Sul, quando tinha 10/12 anos e comprei um disco que se chamava "All Kind of Jazz" que me virou do avesso. Mas antes disso, tinha eu 7 anos, o meu pai comprou Frank Sinatra, e esse é responsável, provavelmente, por eu ter percebido que havia uma coisa chamada swing. Eu sentia-me atraído para a raça negra e depois de ouvir o disco de Coltrane em que ele fala de um certo sofrimento, da forma como naquela altura a raça negra estava a sofrer nos EUA e a começar a sentir algum orgulho na sua negritude, isso fez com que eu nutrisse ternura, ainda hoje, por essa raça e me interessasse pela música que é provavelmente mais deles do que nossa. 4. "Love Supreme", de Coltrane. Foi o primeiro disco de jazz que comprei com o meu dinheiro. Comprei-o porque na altura andava a ouvir dois guitarristas influenciados pelo Coltrane que eu nem sequer sabia que o eram, Santana e MacLaughlin. Num disco que eu tinha de MacLaughlin vinha lá um tema chamado "Love Devotion and Surrender" e a seguir uma faixa chamada "Love Supreme". Eu nunca tinha ouvido nada tão forte, que transcendia a música, uma coisa espiritual fortíssima que fazia quase levitar, vi quem era o autor do tema - John Coltrane. Como na altura importava discos da Inglaterra, mandei vir um chamado "Love Supreme". Foi o meu primeiro disco de jazz e ainda é o meu disco de referência. Não só pela música, faz uma abordagem de quatro notas que explora até não mais poder ser, mas pela entrega. Estava numa fase da vida dele em que tinha deixado de consumir coisas exteriores para se inspirar e tinha-se voltado para dentro. Logo, estava super inspirado por Deus ou lá por quem fosse. Bateu-me forte, é muito inspirador. 5. Gravei cerca de uma centena de discos. É evidente que montes deles fiz como músico de sessão anónimo, aproveitando uma certa versatilidade. Há outros discos em que me convidaram por ser eu, achavam que eu tinha qualquer coisa para contribuir e desses tenho especial orgulho. Como por exemplo, um disco do Carlos do Carmo, com arranjos do José Mário Branco, do qual não me lembro o título. Gravei com Júlio Pereira, com Zeca Afonso, já ele estava muito doente, com Maria João, Orquestra de Jazz do Hot Clube, Sexteto de Jazz de Lisboa, Orquestra de Sons do Mundo, do Laurent Filipe, com Fausto, os dois discos do Pedro Abrunhosa, que tem muito a ver com a tal coisa do hip hop e do rap, que andamos os dois a ouvir. Se calhar, estou a esquecer-me de alguém. Um disco meu está na forja e mais não digo... 6. São dois os concertos que guardo na memória. Um deles com o Septeto de Tomás Pimentel, no Jazz em Agosto, há dois ou três anos. Recordo-o porque para além de ter corrido bem do ponto de vista musical, passou-se numa época de mudança para mim. E esse concerto confirmou que era a mudança correcta. O outro, foi há pouco tempo, em New Jersey, no Perfoming Art Center, com Pedro Abrunhosa. Foi uma sensação incrível ver tantos jovens que não percebem português aderirem à nossa música. Acabou por se revelar também como uma confirmação do trabalho que andamos a fazer. Tocou-me, particularmente, a presença no público de Nayma Coltrane, a última viúva de John Coltrane, que se mostrou sensibilizada com a homenagem que nós habitualmente prestamos ao marido nos nossos concertos. João COURINHA n. Lisboa, 11 de Abril de 1956 1. Comecei aos dez anos a aprender guitarra que toquei durante dez anos, aproximadamente. Depois andei também a aprender piano. Quanto ao saxofone, comprei um método e o sax e fui para casa estudar. O piano estudei com uma professora particular e a guitarra com Carlos Menezes. Toco saxofones soprano, alto e tenor. Toco piano fundamentalmente para compor, mas não como intérprete. 2. Na primeira fase jazzística, a minha grande influência foi o Coltrane, sem dúvida nenhuma. E toda aquela gente à volta: Archie Shepp, etc. Mais tarde tenho outros faróis, por exemplo, Ian Garbarek. Segui uma onda mais europeia. Em termos nacionais, tenho um monstro, embora não seja reconhecido como tal, que é Carlos Azevedo, mas não como intérprete. É um compositor e arranjador extraordinário. 3. Neste momento, tenho um trabalho que qualquer dia vai sair, daquilo que para mim é o jazz na sua forma actual e não na forma escolástica que se vê por aí, que é o rap, sem dúvida nenhuma. Temos tipos como o saxofonista Steve Coleman, que tem trabalhos com rappers fantásticos. Já se vê o Branford Marsalis a fazer esse tipo de trabalho, aquela onda d.j.... Estou a trabalhar muito nesse sentido. Já tenho muita coisa feita. Neste momento, tenho trabalho para fazer um CD, e acho que o vou fazer mesmo. Faço também música de câmara e adoro. Adoro música barroca. Tenho tocado com Luísa Amaro, música de Carlos Paredes para guitarra portuguesa, acompanhamento de guitarra clássica e arranjo de saxofone soprano. Toco com imensos grupos africanos e gosto muito, aliás produzo um - Lindemona - que é uma fusão entre a raiz angolana dos quiocos, baseada numa recolha dos anos 50, e uma onda muito Miles Davis. Não há nada parecido por aí, acho eu. Ouço imensa coisa diferente, não estou fixado, ouço um leque vastíssimo de música, ouço tudo e mais alguma coisa. Não gosto muito do que se está a fazer em termos de pop. De resto, ouço tudo. 4. "Oferenda Musical e Arte da Fuga" do Bach. Porque é uma abstracção musical, não é escrito para instrumento nenhum, é uma abstracção musical. É uma frase melódica que dura dez segundos e que é repetida até à exaustão tratada de maneiras diferentes. É uma coisa extraordinária, diz tudo. Tudo o que se ouve hoje em dia em todo o lado, está ali. 5. Não vou dizer este, aquele ou outro, posso dar uma referência ou outra. Toquei em muitos, muitos discos africanos. Alguns nem vale a pena estar a falar, mas são experiências. Adorei gravar com o cabo-verdiano Djurumani, um disco que se chama "Reencontro", a direcção musical era do Manuel Paulo, com participações desde o Rui Veloso ao Alexandre Manaia, do Sassetti, sei lá, com uma série de participações. Acho que o disco é muito bom, ainda por cima. Gravei dois discos de música portuguesa com o grupo Quadrilha. Relacionado com o jazz, gravei com o Quinteto de António Ferro, com Paleka, Klaus e Eduardo Santos. Gravei discos de fado, com Maria da Fé, por exemplo. Estou a funcionar muito com o encenador Carlos Curto em projectos de teatro. Faço muita música para teatro. Para cinema também tenho feito alguma coisa, para o "Judeu", por exemplo, em colaboração com o Dudas. Fiz também música para um filme de Jorge Marecos sobre os túneis do metro de Lisboa. Gosto imenso do acto de tocar, mas também gosto imenso do acto de compor e fazer arranjos. E o projecto rap será editado ainda este ano, penso eu. 6. Fiz um concerto, há três anos, talvez, no Festival de Bruges, com um grupo que tinha na altura com Carlos Azevedo e que é me é muito querido, que se chamava Kirié (neste momento não sei se está parado ou já não existe). Esse espectáculo correu-nos muito bem e a reacção do público foi extraordinária. Para mim, foi um bocado o corolário desta inquietação musical de uma vida inteira a tocar e a ouvir música diferente. Embora achasse natural a reacção do público, sem vaidade, fiquei contentíssimo. Aliás, se o público não gostasse não alterava uma vírgula ao meu discurso. Carlos MARTINS n. Etiópia (Santiago do Cacém), 23de Dezembro de 1961 1. Estudei imenso com um maestro na banda filarmónica. Não estudei só filarmónica, estudei música clássica e formação musical. Depois andei no Conservatório, fiz Composição... Mas não acabei o curso. Participei em workshops, trabalhei com a Constança Capdville. De formação só mesmo o Conservatório e os estudos que fiz na escola de Barcelona. Fiz workshops, na Gulbenkian, de Contemporâneo. Cada vez mais componho ao piano. Toco uma flauta a sério, transversal, clarinete, toco mal bateria, ando a aprender a tocar guitarra, mas já consigo fazer uns acordes, principalmente de blues, são só três. Toco aquelas coisinhas que tenho em casa que trouxe da China, de África, percussões e tal. E toco saxofone alto, soprano e tenor, mas toco tenor ainda mal, apesar de ser o que toco melhor de todos. 2. A quem eu tenho talvez que agradecer o meu dom musical é a um maestro que já morreu, chamado João Picoito. Foi um homem que perdeu inúmeras tardes e deve ter perdido inúmeras vezes a paciência comigo. Com 15 anos, no Alentejo, com os retornados todos e todas as prendas que traziam, com as miúdas, os namoros e não sei quê, era muito difícil ele ter feito o que fez, que foi reter-me e entusiasmar-me a ficar a estudar peças clássicas como Tanhauser, óperas como "O Barbeiro de Sevilha", transcrições que ele fazia para clarinete para que eu tocasse música a sério e estudasse um bocado essa música. Penso que é a ele que tenho que agradecer, mais do que a qualquer outra pessoa. Depois, tenho que agradecer, curiosamente a Luís Morais, de Cabo Verde. No conjunto onde eu tocava, deram-me uma cassete no meio do Alentejo, à balda, para eu tocar no final dos bailes, quando toda a gente já estava bêbeda, essa cassete eram mornas e ‘coladeras’ de Luís Morais. Portanto, o Luís Morais foi o fundador dos Sons da Lusofonia há muitos anos. Quando vim para Lisboa, tive a sorte de entrar no Hot Clube uma vez e ouvir o duo do Coltrane com o Duke Ellington, que até hoje são as pessoas que mais me marcam musicalmente, que me dão paixão. Coltrane é uma forma de paixão quase acética, de religião, é uma forma de ver o mundo, de entrega. É uma forma apaixonada de ver a vida e de a compreender, de a ultrapassar, de a sentir e de a viver. Duke Ellington porque é a vida em si própria, toda a paixão, é ritmo, é música, é ambiência, conseguida em quadros sonoros, em pinturas, e as duas coisas são as que mais me impressionam. Coltrane pelo saxofone em si, pelo virtuosismo... Embora, seja um grande fã do Charlie Parker, eu adorava saber tocar assim. Adoro Charlie Parker! Também gosto de Dexter Gordon, por causa daquelas coisas todas da bebida, da vida, do trágico... Gosto muito do Lester Young, porque acho que se tivesse aparecido a tocar uns anos depois seria tão famoso como o Charlie Parker. 3. Música étnica, africana, outras coisas mais modernas da pop e hip hop. Mas, basicamente, hoje em dia, só ouço música clássica e não me apetece ouvir mais nada. 4. Isso é complicado. Porque eu não sou uma só pessoa, como não sou uma só pessoa, não posso ter um só disco. Não sou capaz de responder a essa pergunta, sou capaz de enumerar alguns discos. O "Requiem", de Mozart, porque é belo, simplesmente magnífico, super bem escrito. É das peças mais belas escritas pelo género humano. "Ballads" do Coltrane, porque são o amor e a paixão inatingíveis, impossíveis e constantes. É um objecto incrível, como se de cada vez que o ouvimos tocar uma peça se pudesse descobrir ainda qualquer coisa. Entre Mozart e a "Quarta Sinfonia" de Mahler, não sei qual é que preferia, como também adoro o "Concerto em Sol maior", de Ravel. 5. Tenho muito poucos discos. Dos antigos nem lembro, participei em discos de pessoas que devem se calhar achar que eu me devia lembrar, mas não me lembro. Recordo-me de ter participado nos primeiros discos do Quinteto de Maria João em que toda a gente participa activamente. Gravei com orquestra uma ópera, chamada "O Urso" de William Walter, com os solistas de São Carlos. Lembro-me dos últimos discos: "Passagem", "Outras Ilhas", com Vasco Martins e o disco dos Sons da Lusofonia, de que sou o líder e está a sair. O dueto que estamos a formar, eu e Bernardo Sassetti, também será para sair em disco, tem o tempo que nós quisermos, apesar de já ter editora. Provavelmente, ainda vou gravar antes em quarteto. 6. Um dos concertos que mais me marcou foi uma coisa impressionante. Quando comecei era muito difícil para mim, porque não sabia tocar jazz. Então, com uma série de músicos que foram muito simpáticos para mim, conseguimos ganhar uma espécie de um festival da canção universitária. Nós tínhamos que tocar dois temas, Zé Alberto, no trompete, Salgueiro, na bateria, Rui Castro, no baixo e o Francisco Xavier. O Rui Castro, o Salgueiro e eu fizemos uma directa, porque lhes pedi para ler um solo de Sonny Rollins sobre o tema que íamos interpretar para eu tocar jazz. Dormimos de manhã nos bancos do Hot Clube, e à noite eu levava uma partitura misturada com as partituras dos cantores que iam cantar a seguir. Isto passou-se na Aula Magna, tocámos o primeiro tema, uns solitos, e palmas zero. Tínhamos tempo para tocar mais um tema, que era o tal de Rollins, eu perdi-me e obviamente comecei a improvisar sobre a memória que tinha, acabei de fazer esse solo e o público todo bateu imensas palmas. A partir daí, disse: eu vou tocar este tipo de música, definitivamente! Pedro MOREIRA n. Lisboa, 11 de janeiro de 1969 1. Comecei a tocar no princípio dos anos 80, com os meus irmãos por brincadeira. Foi bom para nós começarmos a tocar uns com os outros, ajuda muito. Tivemos logo a pancada dos instrumentos certos. Foi engraçado, acertámos nos instrumentos, se bem que eu já tocasse piano antes. Mais tarde, quisemos começar a levar a música mais a sério e começámos a estudar. Penso que naquela época, tal como os outros músicos de jazz, tinha os estudos ainda um bocado precários. Ora estudava, ora deixava de estudar. Porque, na altura, o curso da Escola do Hot estava a arrancar e ou por questões de horário, porque ainda éramos muito miúdos, ou por outras razões, acabámos por não ir para lá. Entretanto, mais tarde, acabei por ir para o Conservatório. Estive lá cerca de dois anos, não acabei o curso de Saxofone, mas acabei o de Formação Musical, o de Acústica e deixei o de História incompleto. Já tinha também uma actividade musical que me ocupava um bocadinho. Acabei o liceu por volta de 87/88 e fui para a Faculdade de Ciências estudar Matemática que era o meu sonho desde miúdo e ainda hoje me está atravessado na garganta porque não consegui acabar o curso. Só muito tarde é que decidi mesmo ser um músico profissional. Como éramos muito novos, começámos a aparecer gradualmente aqui e ali. Para certos estilos, nos finais dos anos 80, em Lisboa, havia mais actividade do ponto de vista musical. Há três anos, decidi ir para Nova Iorque, primeiro porque era um sonho antigo passar lá uns tempos e, por outro lado, para superar a minha falta de formação académica. Acabei agora o curso da New School. O meu instrumento principal é o sax alto, toco soprano também, e tenor mais ou menos. Toco ainda clarinete e flauta, não como especialista, só como complemento para pequenas passagens em música de orquestra. Toco um bocadinho de piano, também. 2. Há vários tipos de Mestres, os que inspiram seja à distância ou não e, no fundo, foi com esses que sempre contei e com quem aprendi muito. Infelizmente neste país, por ser um meio pequeno, não há assim uma grande quantidade de músicos. A nível nacional tenho que referir, obviamente, o meu pai. Ele conhecia a música, tinha os discos, nunca nos forçou, antes pelo contrário, o que foi inteligente da parte dele. Muitas vezes, nós queríamos saber mais coisas e ele fugia com o rabo à seringa. Depois de perceber que levávamos aquilo a sério, de facto, ensinou-nos bastante. Tenho que referir um amigo do meu pai e nosso também, Tozé Veloso, que é músico amador, mas com quem nós aprendemos muito, não da técnica musical porque ele também não a sabe, mas uma certa atitude em relação a este tipo de música e conhecimento de reportório. E os músico com quem tocámos e os que tocavam na altura. Lembro-me, por exemplo, do Sexteto de Jazz de Lisboa, Zé Eduardo, Carlos Barretto, Carlos Martins e Edgar Caramelo, que já tocavam quando eu comecei a aparecer. Tenho que fazer uma referência especial ao meu amigo, o baterista Gualdino de Barros, que tem uma grande importância a lançar jovens neste país. À distância, são as referências dos discos. À cabeça, os óbvios. Charlie Parker deu-me uma pancada, com a vantagem de ser saxofonista que era o meu instrumento, ainda por cima. Havia ali qualquer coisa, penso que ao nível do som do sax, muito difícil de descrever, e certas características do seu fraseado, o tipo de ritmo daquela linguagem que era o bep bop. Continua a ser um dos meus ídolos. Um dos primeiros discos de Art Blakey, numa das primeiras formações dos Messangers com Horace Silver. Miles Davis, que nos seus 40 anos de carreira, cada cinco anos era completamente diferente e sempre fabuloso. Olhando para trás, penso que quem me marcou mais foi o Charlie Parker à cabeça, e Cannonball que é o apuro máximo do Charlie Parker. Depois tive a minha fase de Coltrane, que é genial como saxofonista e conceito. Tenho que referir o Duke Ellington, um dos grandes compositores do século XX. E tantos outros... 3. Outras músicas? Tocar? Aquilo que toco é jazz. Em casa, divirto-me muito e gosto de tocar música clássica. Gosto muito de tocar Bach, para mim é uma espécie de Miles Davis de outra área. Se tiver que tocar pop, ou rock ou música popular não tenho dificuldade desde que não tenha que ser eu a fazer o conceito disso. Aqui há uns anos atrás, fiz uns concertos com Sérgio Godinho. Foi uma experiência fabulosa. Recentemente, fiz o programa de televisão Zona+ com Carlos Cruz, em que tive que tocar com toda a gente. Foi uma experiência excelente. 3. Outras músicas? Tocar? Aquilo que toco é jazz. Em casa, divirto-me muito e gosto de tocar música clássica. Gosto muito de tocar Bach, para mim é uma espécie de Miles Davis de outra área. Se tiver que tocar pop, ou rock ou música popular não tenho dificuldade desde que não tenha que ser eu a fazer o conceito disso. Aqui há uns anos atrás, fiz uns concertos com Sérgio Godinho. Foi uma experiência fabulosa. Recentemente, fiz o programa de televisão Zona+ com Carlos Cruz, em que tive que tocar com toda a gente. Foi uma experiência excelente. A música clássica está a par do jazz, neste momento, em termos de composição. Aliás, é o que eu vou continuar a fazer em Nova Iorque, Composição Clássica. O que eu ouço, tenho que confessar: jazz e música clássica. Não quer dizer que não goste de outras músicas, não tenho é tempo para tudo. Adoro música popular, música africana, sobretudo mornas. Sou doido por mornas. Gosto de algum rock, como acho excelente certa música portuguesa. 4. Tinha que destacar para aí uns cinco ou dez. Mas talvez o "Kind of Blue", de Miles. Toda a gente diz isto. É de facto um disco que eu ouvirei cem milhões de vezes, que tem muita música e é impressionante. Há muitos outros. 5. O nosso disco, com os meus irmãos, com o grupo Moreiras. Chama-se "Luandando", que é o título de um dos temas e um poema do Pepetela. Sou eu, o meu irmão Bernardo no contrabaixo, Bernardo Sassetti no piano, Freddie Hubbard, como convidado, no trompete e Greg Paddy na bateria. A editora é a Groove, Movieplay. Um disco ao vivo, que é um pouco de toda a gente, que se chama "Encontro em Lisboa", também para a Groove, em que estou eu, Bernardo Moreira, Bernardo Sassetti, Périco Sambeat, no alto, Périco Sambeu, no tenor, Eddie Henderson, no trompete e a Sílvia Cuenca na bateria. Ao vivo, no CCB e no Hot. Tenho um disco com a Orquestra do Hot de que eu era director, com uma série de convidados, penso que não tem nome. É Polygram. E ainda um disco em que toco e ajudei a fazer parte dos arranjos, de Maria Viana, que se chama "Just Friends", para a Timeless, uma editora holandesa. E tive algumas participações pontuais nalguns discos. 6. Um concerto em que toquei, o ano passado, com o Quinteto de George Chambers, num Festival em New Jersey. Era ele, Wallace Ronney, Mulger Miller, Buster Williams e eu. Ia completamente em pânico, mas foi um concerto fora de série e o que me marcou mais. Tenho que fazer outra referência, um dos concertos em que tocámos na Festa do ‘Avante’, quando esteve cá Benny Golson e Curtis Fuller, com orquestra, no palco grande. Estava toda a gente "cheia de medo", antes de nós tinha actuado um grupo desses conhecidos, tipo heavy metal, mas a reacção foi fabulosa. Nessa mesma Festa do ‘Avante’, fizémos uma homenagem a Art Blakey, com um grupo mais reduzido, em septeto, com os mesmos convidados. Correu muito bem. Depois fizemos um fim-de-semana no Hot de que eu nunca mais me posso esquecer. Deixou-me arrepiado. Numa das noites Benny Golson tocou como featuring, só com secção rítmica, "I Remember Clifford", dedicado ao Clifford Brown. Um tema que ele escreveu na altura em que Clifford morreu daquela forma trágica, ele ficou muito marcado, porque eram amigos. Foi chocante para toda a gente, um músico com cerca de 24 anos morrer daquela maneira. Benny Golson toca o tema de homenagem e o que me espantou foi, 40 anos mais tarde, eu vi, estava ao lado dele, ter ficado de tal maneira emocionado que desatou a chorar. Nomeadamente, no fim, fez uma cadência muito longa sozinho a chorar. Fiquei completamente arrepiado nem queria acreditar no que estava a ver. Foi uma das coisas mais fortes que eu pude presenciar. Foi lindo. A música clássica está a par do jazz, neste momento, em termos de composição. Aliás, é o que eu vou continuar a fazer em Nova Iorque, Composição Clássica. O que eu ouço, tenho que confessar: jazz e música clássica. Não quer dizer que não goste de outras músicas, não tenho é tempo para tudo. Adoro música popular, música africana, sobretudo mornas. Sou doido por mornas. Gosto de algum rock, como acho excelente certa música portuguesa. 4. Tinha que destacar para aí uns cinco ou dez. Mas talvez o "Kind of Blue", de Miles. Toda a gente diz isto. É de facto um disco que eu ouvirei cem milhões de vezes, que tem muita música e é impressionante. Há muitos outros. 5. O nosso disco, com os meus irmãos, com o grupo Moreiras. Chama-se "Luandando", que é o título de um dos temas e um poema do Pepetela. Sou eu, o meu irmão Bernardo no contrabaixo, Bernardo Sassetti no piano, Freddie Hubbard, como convidado, no trompete e Greg Paddy na bateria. A editora é a Groove, Movieplay. Um disco ao vivo, que é um pouco de toda a gente, que se chama "Encontro em Lisboa", também para a Groove, em que estou eu, Bernardo Moreira, Bernardo Sassetti, Périco Sambeat, no alto, Périco Sambeu, no tenor, Eddie Henderson, no trompete e a Sílvia Cuenca na bateria. Ao vivo, no CCB e no Hot. Tenho um disco com a Orquestra do Hot de que eu era director, com uma série de convidados, penso que não tem nome. É Polygram. E ainda um disco em que toco e ajudei a fazer parte dos arranjos, de Maria Viana, que se chama "Just Friends", para a Timeless, uma editora holandesa. E tive algumas participações pontuais nalguns discos. 6. Um concerto em que toquei, o ano passado, com o Quinteto de George Chambers, num Festival em New Jersey. Era ele, Wallace Ronney, Mulger Miller, Buster Williams e eu. Ia completamente em pânico, mas foi um concerto fora de série e o que me marcou mais. Tenho que fazer outra referência, um dos concertos em que tocámos na Festa do ‘Avante’, quando esteve cá Benny Golson e Curtis Fuller, com orquestra, no palco grande. Estava toda a gente "cheia de medo", antes de nós tinha actuado um grupo desses conhecidos, tipo heavy metal, mas a reacção foi fabulosa. Nessa mesma Festa do ‘Avante’, fizémos uma homenagem a Art Blakey, com um grupo mais reduzido, em septeto, com os mesmos convidados. Correu muito bem. Depois fizemos um fim-de-semana no Hot de que eu nunca mais me posso esquecer. Deixou-me arrepiado. Numa das noites Benny Golson tocou como featuring, só com secção rítmica, "I Remember Clifford", dedicado ao Clifford Brown. Um tema que ele escreveu na altura em que Clifford morreu daquela forma trágica, ele ficou muito marcado, porque eram amigos. Foi chocante para toda a gente, um músico com cerca de 24 anos morrer daquela maneira. Benny Golson toca o tema de homenagem e o que me espantou foi, 40 anos mais tarde, eu vi, estava ao lado dele, ter ficado de tal maneira emocionado que desatou a chorar. Nomeadamente, no fim, fez uma cadência muito longa sozinho a chorar. Fiquei completamente arrepiado nem queria acreditar no que estava a ver. Foi uma das coisas mais fortes que eu pude presenciar. Foi lindo.

José Duarte
 
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