| Nuno Ferreira |
| 14-01-2002 00:00 |
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o que é que leva um homem a escolher uma guitarra para, com ela, tocar Música?
Para mim a guitarra foi uma escolha óbvia. As minhas recordações musicais mais remotas estão ligadas à guitarra, uma vez que o meu pai tocava e havia sempre uma guitarra por perto (e muita música).
improvisar em jazz tem limitações musicais?
O conceito de Jazz hoje em dia é muito lato e abrange desde o mais tradicional ao mais vanguardista. Quando os músicos tentam catalogar a sua música impõem-lhe as limitações musicais da sua estética, mesmo quando improvisam. Outra forma de limitação é a falta de conhecimento musical ou de domínio do instrumento as quais podem impor sérias limitações ao discurso improvisado. No entanto, creio que a música não tem limites e que se vão continuar a descobrir novos sons e novas maneiras de improvisar, a prova disso no Jazz é que continuam a surgir músicos com um som e linguagem próprios que expandem o vocabulário e alargam os horizontes da música.
como trabalha um guitarrista de 'free' jazz?
Há demasiada variedade de guitarristas "free" com estilos muito distintos para haver uma só resposta. Creio que uma premissa importante para tocar neste estilo é ouvir atentamente a música e reagir aos outros músicos tentando produzir certos ambientes sonoros.
a sua opinião sobre a Música de Sonny Sharrock
Sei que é um guitarrista de "free", que tocou com Pharoah Sanders e Elvin Jones, mas a sua música não é uma referência para mim.
defende ainda a necessidade da melodia como elemento musical?
Sem dúvida, no entanto acho que o ideal é o equilíbrio de todos os elementos e a música que põe toda a ênfase na melodia não é a que mais me toca.
que tipo de repertório possui?
Tento conhecer o máximo de repertório "standard" que dá uma base sólida para comunicar com outros músicos de Jazz. Dos compositores de teatro e cinema sou fã de Cole Porter, Richard Rodgers, Victor Young, Jerome Kern e Jimmy Van Heusen , do lado do Jazz prefiro os temas de Ellington, Parker, Coltrane, Tristano, Shorter, Hancock, Henderson entre muitos outros. Quando toco com o meu grupo regular tento escolher o máximo de originais meus e dos outros músicos que se prestem a uma leitura mais pessoal e sejam bons veículos para a improvisação, creio que a escolha do repertório é um factor determinante para o sucesso dos concertos.
a que directrizes obedece quando compõe?
Compor é um processo complexo para mim e não há nenhuma técnica infalível para escrever boa música. Quando componho, normalmente surge uma ideia melódica/rítmica que tento desenvolver, cantando ou tocando. Tento criar um ambiente harmónico que seja fluido mas também inesperado. Normalmente é um processo de tentativa e erro até dar por terminado um tema. Raramente, acontece-me ouvir uma nova música toda de uma vez e escrevê-la ou gravá-la imediatamente, os temas que surgiram assim são os meus favoritos, mas são poucos.
a sua opinião sobre a Música de John McLaughlin quando com Miles
É um bom guitarrista, mas não é nesse contexto que mais gosto de o ouvir, a sua fase "acústica" foi a minha favorita e a que mais me influenciou.
como obteve a sua sonoridade, como a mantém?
O meu som está em constante mutação. Estou sempre à procura de um som "ideal" que raramente consegui obter. Acho que o factor mais importante é o contacto físico com o instrumento - a maneira como os dedos pisam as cordas da guitarra - trabalho bastante esse aspecto. A electrónica é secundária no meu conceito de som e por regra estudo e toco em casa sem qualquer amplificação.
tocar e solar em 'blues' exige algum tipo de Cultura em particular?
Suponho que sim. Há uma linguagem própria tal como em qualquer outro estilo, há uma tradição que os músicos assimilam para melhor comunicarem. Infelizmente, para muitos músicos os "blues" não são mais que uma série de "clichés" que se "encaixam" nos mais diversos contextos.
existe alguma técnica específica para obter Música com 'swing'?
Ouvir música com "swing" é sem dúvida um bom princípio. No meu caso pessoal a melhor prática é tentar assimilar o fraseado rítmico e a articulação dos músicos com que mais me identifico.
opinião sobre a obra de Wes Montgomery
Eis um exemplo de um músico com um swing tremendo e uma genial capacidade de invenção melódica, muita energia. Foi o responsável por trazer de novo a guitarra para a linha da frente no Jazz (depois de Charlie Christian). Foi sem dúvida um dos maiores guitarristas desta música e tem ainda hoje muitos seguidores em todo o mundo. Dos seus discos, os que mais ouço são Full House e Incredible Jazz Guitar.
porque é que em certas noites toca melhor do que em outras?
Cada concerto é um caso diferente. Há enormes pressões sobre os músicos que têm que lidar muitas vezes com problemas de organização, ainda mais vezes com maus técnicos de som, coisas de que o público nem se apercebe e que podem destruir um concerto. Acho também que a música reflecte o estado de espírito de quem a faz e isso torna cada dia diferente do anterior. Sinto que falta, por vezes, um público mais atento e interessado.
todo o tema se pode tocar em 'acústica' e 'eléctrica'?
Os temas sugerem certos timbres ou sonoridades, mas tudo é possível.
opinião sobre a obra de Jimi Hendrix
Devo confessar que já não o ouço tanto quanto costumava ouvir, mas deixou com certeza marcas na minha concepção musical.
como se sente em Portugal como guitarrista de jazz?
Por um lado estou desiludido com a falta de apoio que o estado dá ao Jazz, nomeadamente à formação dos músicos, por outro lado vejo que o meio jazzístico português tem crescido e há uma nova geração com talento e vontade de aprender e isso deixa-me mais esperançado no futuro desta música em Portugal.
porquê estudar nos USA?
Para estar próximo dos músicos que mais admiro e poder ouvi-los ao vivo e eventualmente estudar com eles e para conhecer músicos com objectivos semelhantes para tocar e partilhar ideias. Nova Iorque continua a ser um dos pólos culturais e artísticos do planeta, continua a ser a Mecca do Jazz, e creio que será uma fase importante do meu percurso musical.
opinião sobre a obra de Jim Hall
É o meu guitarrista favorito, um mentor musical. O seu som, a escolha de notas, o ritmo, a construção dos solos tudo está em perfeito equilíbrio. Do sua discografia os meus favoritos são Undercurrent ( com Bill Evans) e The Bridge (com Sonny Rollins).
há diferenças de sonoridades e concepções entre os guitarristas norte-americanos e europeus?
O que há são escolas ou estilos de tocar guitarra e Jazz, e há muitas semelhanças entre guitarristas europeus e americanos - conheci na europa (e mesmo em Portugal) guitarristas com traços de Metheny, Frisell, Scofield, Montgomery e muitos outros. Na minha opinião os grandes inovadores da guitarra no Jazz vieram dos E.U.A. e acompanharam a evolução da música (com a excepção de Django), ainda hoje surgem aí guitarristas como Kurt Rosenwinkel ou Ben Monder que expandem o vocabulário do instrumento. Não quero com isto dizer que não existam na Europa guitarristas revolucionários e excelentes executantes mas não me influenciaram particularmente.
há distinção no jazz vindo de guitarristas da etnia cigana?
Não sou um conhecedor dessa música. Ouvi Django e alguns dos seus seguidores como os irmãos Ferré e Bireli Lagrène e a sua abordagem é muito diferente, mas é um estilo que não me cativa.
opinião sobre a obra de Bill Frisell
Frisell é um revolucionário no som e na sua concepção musical, os temas e músicos que escolhe. Não é, no entanto, dos guitarristas que mais ouço.
alguma vez pensou tocar jazz numa guitarra portuguesa?
Já (desde que ouvi o Ricardo Rocha) . Mas não me atreveria a tocá-la sem a devida preparação - é um instrumento completamente diferente daquele que eu toco e levaria anos a adaptar-me. É um projecto adiado. |
José Duarte |
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