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Filipe de Melo
15-09-2008 00:00
 

José Duarte - toca Chopin? e outros compositores? quais?

Filipe Melo - Tocar Chopin com categoria e rigor é algo extremamente difícil, por isso não posso dizer que "toco Chopin": dou uns toques, sempre que posso, porque uma das coisas que gosto de fazer é passar por música do repertório clássico (Bach, Schumann, Debussy, Satie), ver como são construídas as harmonias e arranjar forma de "sentir" aquilo nos dedos - acabo sempre por não passar muito tempo a preparar o repertório. Adoro, no entanto, comprar partituras de todo o tipo de música e passar algum tempo com elas ao piano.

JD - diferenças entre música de improvisação com música para ler

FM - São exigências diferentes - no primeiro caso, é preciso compor em tempo real, ter as ideias claras e um discurso coerente - no segundo, é preciso ter as ferramentas necessárias para conseguir interpretar a música de forma rigorosa- música que foi pensada de antemão. Sem querer ser parcial, acho que há um risco maior na música improvisada, porque pode correr bem ou mal de acordo com a disposição do músico. Há um factor risco mais elevado, mas que acaba por estar presente em qualquer tipo de expressão musical, escrita ou improvisada.

JD - a(s) sua(s) principal(ais) influência(s) entre os pianistas jazz?

FM - Pergunta difícil! Creio que tive várias fases e obsessões, não só por pianistas, mas por músicos no geral. Herbie Hancock, McCoy Tyner, Andrew Hill, Oscar, Hampton Hawes, Kenny Kirkland, Bud Powell, Wynton Kelly, Red Garland - lembro-me que quando comecei a tocar queria imitar toda a gente! Hoje em dia suponho que gosto muito de alguns pianistas da nova geração, Aaron Parks, Aaron Goldberg, Vardan Ovsepian... Há tantas pessoas a tocar bem. Suponho que Mário Laginha, Bernardo Sassetti e Rodrigo Gonçalves também me influenciaram muito na música e na seriedade com que enfrentam a música.

JD - a sua discografia?

FM - Tenho um disco como líder chamado "Debut" e tenho alguns como sideman nos grupos da Marta Hugon, Joana Machado, Laurent Filipe, Carlos do Carmo... Espero gravar muitos mais!

JD - actuações no estrangeiro? algumas?

FM - Na verdade, poucas. Tive alguns "gigs" enquanto estudava nos EUA e recentemente estive na Croácia em trio (aliás a seu convite!) e é sempre uma aventura... Bem, já toquei várias vezes na Madeira! É um bom começo!...

JD - que pensa do espaço reservado aos músicos portugueses nos festivais portugueses com jazz?

FM - Acho que ultimamente o panorama dos festivais de Jazz tem encontrado o equilíbrio que esperávamos. Há festivais para todos os gostos! Acho, porém, que está a surgir uma nova música, um novo "som" no jazz português. Há muito bons músicos, muito bons discos portugueses, inovadores e originais - espero que os promotores de festivais tenham a visão suficiente para perceberem que têm um papel tão importante como os músicos no nascimento e criação desta fase tão especial do jazz português.

JD - conhece a maneira de pianar de Erroll Garner? comentários

FM - Claro que conheço, é uma referência incontornável na história do piano. Diz-se que uma das maiores influências de Erroll Garner era o guitarrista Freddy Green, famoso por tocar "a 4", nos quatro tempos do compasso quaternário. Erroll Garner adaptou isto ao piano - o que sempre me impressionou em Erroll Garner é a sua sofisticação harmónica a tocar a solo, combinada com um som de locomotiva do seu trio. Não era propriamente um trio interactivo, era um trio de piano no centro, mas a velocidade a que pensa e o "groove" fazem com que seja impossível de imitar. É um gigante.... E reza a lenda que era completamente auto-didacta - tinha uma orelha do tamanho do mundo.

JD - usa teclados e piano acústico também? para quê?

FM - Além de um piano acústico, sou o feliz proprietário de um Fender Rhodes Mark I de 1977 e de um Wurlitzer. Na verdade, embora adore o piano e este seja o meu instrumento de eleição, gosto muito do som dos teclados "vintage". Inspiram uma forma diferente de tocar, e uma exploração do som do instrumento, que é algo que, cada dia, percebo ser das coisas mais importantes para qualquer músico.

JD - estudou solfejo antes de estudar piano?

FM -Não. Nunca fui fã de solfejo, foi sempre algo que estudei paralelamente ao piano. Suponho que demorei algum tempo a perceber o quão importante é solfejar decentemente....

JD - Thelonious Monk chegou nos seus princípios a ser acusado de ‘não saber tocar piano' e ‘desafinar' - comentários

FM - Quem fez esses comentários tinha alguma falta de visão - embora Thelonious Monk tivesse  uma maneira muito pouco convencional de tocar piano, estava naquele patamar em que encontramos Tom Jobim, Bill Evans e outros afins - génios visionários. É música que vive do detalhe, de um profundo conhecimento de acordes e harmonia funcional e de uma necessidade constante de "esticar a corda" musicalmente. É obvio, diria mesmo que numa primeira audição, de que nada do que Monk tocava era ao acaso.

JD - que características distinguem um pianista de jazz de um pianista de outras músicas?

FM - Mais uma pergunta difícil... Diria que um pianista de jazz tem algumas ferramentas que lhe permitem comunicar nessa linguagem - independentemente da vertente estilística dentro do jazz, há uma série de conhecimentos básicos que o definem como um pianista de jazz. Hoje em dia, creio que um pianista de jazz tem de se expor às tais "outras músicas" - é isso que será, em última análise, a água que "rega" o jazz e o mantém vivo.

JD - conhece a discografia do pianista Matthew Shipp? comentários

FM - Não conheço bem a discografia do Matthew Shipp; tenho um disco dele chamado "Equilibrium".  Tem um excelente som de piano e uma forma muito original de tocar, mas confesso que não  conheço o suficiente para fazer grandes comentários.

JD - no free jazz o piano caiu em desgraça: verdade ou mentira?

FM - Eu diria mentira. Acho que pianistas como Mal Waldron, Cecil Taylor, Paul Bley, e mesmo Keith Jarrett contribuíram muito para o nascimento do free jazz.

JD - sua opinião sobre Earl Hines? num dueto com Armstrong de 1928 ‘Weather Bird'?

FM - Grande! É o rei do stride. Acabei de comprar o disco no iTunes, não conhecia. Tem umas "patas" gigantes, está a tocar décimas na esquerda sem qualquer dificuldade. Pura classe...

JD - andar em escolas de jazz é importante para jovens ou não serem bons jazzmen?

FM - Acredito que ajuda estar envolvido num meio onde se toca com gente diferente e onde se viva na música. Claro que bons professores e músicos experientes podem ajudar a perceber a linguagem e a explorar material de estudo: uma escola pode de facto ajudar imenso, desde que o futuro "jazzman" tenha a curiosidade natural de explorar o idioma por si próprio - perceber que a escola nunca fará dele um músico, pode apenas facilitar a viagem.

JD - sem reparar nas despesas quem escolheria para tocar num quinteto (ou trio) jazz? valem portugueses e/ou estrangeiros

FM - Sei que pode parecer demagógico, mas é sincero - acho que francamente acabo por estar na situação privilegiada de gostar imenso das pessoas com quem toco, ao ponto de não precisar de ir mais longe procurar - A resposta é - toda a gente com quem tenho tocado nos tempos recentes - nos grupos com quem toco regularmente e nos gigs de ocasião - são as pessoas com quem escolheria tocar.

JD - também foi influenciado por Bill Evans e/ou Keith Jarrett?

FM - Bill Evans é, sem dúvida nenhuma, um dos meus pianistas favoritos de sempre, e passei muito tempo a ouvir os acordes incríveis que ele trouxe para o jazz, com imensas extensões e com vozes múltiplas de um acorde para o outro. É uma orquestra humana! Keith Jarrett é um músico que ouvi muito, mas que nunca transcrevi - é outro mestre de acordes, de grooves, enfim, de tudo. Adoro os dois, e suponho que ambos me influenciaram, possivelmente mais Bill Evans porque é também uma linguagem mais próxima da minha própria forma de tocar.

JD - já tocou piano na Gulbenkian? porquê

FM - Já toquei piano na Gulbenkian, e na verdade foram tempos muito bem passados - estive a fazer um espectáculo chamado "No Mundo do Jazz", era um espectáculo para pequeninos. Na verdade, não tinha sequer texto, só tocávamos, cantávamos blues e tocámos desde Scott Joplin, Debussy, prelúdios do Gershwin até às coisas modais do Miles e rhythm changes. Foi muito divertido, e descobri o quão difícil é tocar piano com umas barbatanas postas nos pés. Enfim, são os ossos do ofício!

JD - porque é que os jazzmen uns dias tocam bem e em outros dias tocam não tão bem?

FM - Por ser a música do momento, muitas vezes depende directamente do estado de espírito e da disposição emocional do músico. Factores como a insegurança, a energia e a boa disposição podem afectar directamente uma performance. Toda a gente tem dias bons e dias maus, e a música acaba sempre por expor quem somos e como nos sentimos. É inevitável e é impossível fugir a isso.

JD - algumas pianistas jazz que conheça e recomende? ou não

FM -Nos meus tempos da Berklee, tive uma super pianista como professora, que, na verdade, é a única mulher que fez parte dos Messengers- Joanne Brackeen. É uma senhora e toca desalmadamente. Muito versátil e impressionante. Recomendo-a a ela. Também sou fã da Marian McPartland, e embora as pessoas no geral só a conheçam como apresentadora, acho que é uma pianista fenomenal.

JD - swing é essencial para uma peça jazz?

FM - Não creio que seja essencial. O jazz mudou, e é agora algo mais abrangente. Suponho que terá de ter swing, mas não necessariamente "zingadim" - desde que swing signifique balanço ou onda, tem de ter, seguramente, ou é uma seca.

JD - toca blues? há diferenças? uma escala diferente...

FM - Há diferenças, mas o blues é a semente que deu origem a uma grande árvore! Claro que gosto de blues e toco blues - há uma escala e tudo - a escala de blues! Obviamente que não sou um músico de blues, mas lembro-me que foi a primeira coisa que aprendi no piano - um pequeno blues de boogie woogie, e reconheço a importância vital histórica deste género em relação a todos os outros estilos posteriores. Considero também muito importante que se saiba tocar, ou pelo menos, arranhar uns blues - é algo por que todos os músicos de jazz passam...

JD - reconhecimento de seu valor como músico jazz começou no Hot? comentários

FM - O Hot é uma boa escola, mas acho que está a falar do clube. Sempre fui muito adepto das jams e dos concertos do clube na Praça da Alegria, e foi aí a minha primeira exposição ao jazz e aí as minhas primeiras apresentações, inseridas nos combos da escola. O meu reconhecimento propriamente dito começa quando percebo que estou inserido numa comunidade que está a fazer música de alto nível e para a qual eu espero poder vir a contribuir - o Hot, pelo seu papel incontornável na história do jazz em Portugal, é o ponto de encontro desta geração de músicos de que falo.

JD - sua opinião sobre Jason Moran

FM - É um craque, um profundo conhecedor da história do piano: conheci-o quando tocou no mesmo festival que nós há dois anos, no Forum Lisboa; estivemos a falar de pianistas - foi impecável comigo e com o trio - é uma jóia de pessoa e tocou muito bem na jam session do Hot.

JD - obrigado Filipe Melo

FM - Obrigado, José Duarte!

em 14 set 08


 
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