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Rodrigo Amado
29-08-2008 00:00
 

José Duarte - há quantos anos descobriu jazz? descobriu-o em concerto? em cd? com quais músicos?

Rodrigo Amado - A minha descoberta do jazz foi feita lentamente, desde miúdo. Lembro-me que o meu pai tinha alguns discos de jazz que eu comecei a ouvir frequentemente, ainda com 12 0u 13 anos. Eram um disco do Louis Armstrong, um do Sonny Rollins, com versões de "Sonnymoon for two" e "Like Someone in Love", e principalmente o "Three Blind Mice" do Art Blakley. Para além dos discos, um dos melhores amigos do meu pai, o Artur Parrinha, tocava guitarra, clarinete e saxofone, e era frequente passarmos fins de semana juntos em que eu ficava a ouvi-lo praticar. Marcantes foram também algumas jam sessions que aconteceram em nossa casa, com outros músicos como o Luís Sangareau. O Artur Parrinha tinha um saxofone tenor que eu pedia para experimentar sempre que ia a casa dele e com o qual fiquei totalmente fascinado. Ainda com o Parrinha, e com os filhos dele, o Zé e o João, também eles músicos, assisti aos primeiros Festivais de Jazz de Cascais no Pavilhão Dramático. Dexter Gordon, Muddy Waters, Dizzy Gillespie, Cannonball Adderley, McCoy Tyner, Charles Mingus e Freddie Hubbard. Só estes concertos eram suficientes para que o jazz ficasse sempre na minha memória.

JD - como aprendeu a tocar saxofones?

RA - A minha oportunidade para ter um instrumento surgiu aos 18 anos quando sofri um acidente bastante grave que me obrigou a ficar imobilizado durante meses. Na altura a minha mãe perguntou-me o que me poderia arranjar para ajudar a passar o tempo. Eu respondi imediatamente: "um saxofone"! O meu primeiro professor foi um músico da banda da GNR que me ensinou as noções básicas de solfejo e técnica do saxofone. Posteriormente tive aulas com o Carlos Martins e com o Jorge Reis. Passei ainda brevemente pelo Hot Clube, ao qual voltei para um curso de harmonia com o Pedro Madaleno. No entanto, a minha aprendizagem principal foi feita a practicar sozinho e a tocar com outras bandas. Comecei cedo a actuar ao vivo com projectos mais ligados à área do rock ou das músicas experimentais. Uma das experiências mais importantes nessa fase inicial foi a participação nos Plopoplot Pot do Nuno Rebelo, juntamente com o Paulo Curado, o Bruno Pedroso e o Luís Areias, numa mistura intensa de jazz, rock e improvisação.

JD - porque utiliza 3 saxofones?

RA - O saxofone de raiz é o alto. Foi aquele que mais toquei e com o qual fiz grande parte da aprendizagem. Posteriormente comprei o barítono, e só mais recentemente o tenor. Toquei ainda soprano durante alguns anos. Senti sempre um processo de grande evolução na adaptação a um novo saxofone. Talvez porque me obrigava a horas intensas de estudo. Actualmente toco principalmente o tenor, e utilizo o alto e o barítono de acordo com as ocasiões. Cada saxofone tem uma "cor" e uma relação com o corpo totalmente diferentes. A minha linguagem é também bastante diferente em cada um deles.

JD - qual é o saxofonista jazz seu preferido? português e estrangeiro porquê?

RA -  Gosto bastante do som do Carlos Martins, desde sempre, e da abordagem do Mário Santos, um dos primeiros a sair dos esquemas mais académicos do jazz nacional. Recordo-me também de ficar fascinado com o Rão Kyao quando tocou num dos primeiros festivais de Cascais. Tenho pena que tenha deixado de tocar saxofone. Dos estrangeiros, é difícil escolher um nome apenas. Ornette Coleman, Sonny Rollins, Tim Berne, Sam Rivers, Anthony Braxton, Wayne Shorter, Henry Threadgill, Archie Shepp, Dexter Gordon, John Coltrane, Eric Dolphy, Julius Hemphill, Oliver Lake, Phill Woods, Ken Vandermark, Michael Blake, Tony Malaby...todos me enchem as medidas. Depende do dia e do estado de espírito. O que não gosto mesmo é de saxofonistas demasiado académicos, onde podemos ouvir as sequências harmónicas e os patterns que se aprendem na escola. Infelizmente existem centenas deles.

JD - escolheu seus companheiros de discografia? porquê cada um deles?  Zíngaro - Ulrich - Filiano - Kessler - Nilssen-Love

RA - Relativamente ao Ken Filiano, um grande amigo e um dos meus contrabaixistas preferidos, a escolha foi do Pedro Costa e do irmão dele, o Carlos. Ainda antes de entrar para o Trem Azul, eles convidaram-me para participar na gravação daquela que viria a ser a primeira edição da Clean Feed, "The Implicate Order Live at Seixal". Foi uma experiência incrível para mim. À medida que fui planeando os meus projectos seguintes, escolhi sempre cuidadosamente os músicos que participavam e o critério foi sempre o mesmo; são músicos que gosto de ouvir tocar e com uma linguagem que imagino integrar-se bem com a minha. Outra condição essencial é serem improvisadores fortes, com capacidade de subir ao palco e criar música consistente a partir do nada. Já encontrei muitos músicos de jazz com grande dificuldade de encarar a improvisação total.

JD - jazz de hoje é o que mais lhe interessa? porquê?

RA - Não. Sempre me interessou o jazz de todas as épocas, assim como muitos outros estilos de música. Não partilho a opinião do Duarte Mendonça de que o jazz é a melhor música do mundo. Acho sim que a música é uma das melhores coisas do mundo. Ouço muita música, sempre, e escolho a cada momento o que me apetece ouvir. Num momento pode ser Bill Evans ou Hank Jones, noutro Cecil Taylor ou Peter Brotzmann, ou rock alternativo e música electrónica. Sinto o jazz como uma música viva que deve reflectir a estética e valores contemporâneos. Mesmo dentro do "mainstream", alguns músicos conseguem basear-se na tradição e construir algo de novo, com relevância actual. Estou a recordar-me de um dos últimos discos do Michael Blake, dedicado ao Lucky Thompson, por exemplo. Outros, preferem digerir vezes sem conta a música que foi feita nos anos 60 e 70. Respeito a opção, mas isso não me interessa, realmente.

JD - qual sua opinião sobre obras dos barítonos Serge Chaloff e James Carter?

RA - Pessoalmente, prefiro a música do Serge Chaloff, um dos maiores saxofonistas barítono de sempre. A respiração do fraseado é bem mais natural do que a cadência, por vezes frenética, do James Carter. Claro que o Carter é também um grande saxofonista, mas a sua música não me satisfaz por completo. Gosto também mais do som do Serge Chaloff.

JD - gostaria de gravar com Peter Brotzmann ou Ken Vandermark? porquê?

RA - Gostaria, um dia, de trabalhar com o Ken Vandermark. Por óbvias afinidades estéticas e por considerar que é um dos grandes improvisadores actuais. Relativamente ao Brotzmann, gosto bastante de algumas das coisas que faz, mas como músico não sinto uma afinidade estética tão grande. O ritmo, a respiração que utiliza na música, estão bastante longe da música que eu faço. Apesar disso, a hipótese de participar no seu decateto, por exemplo, seria uma experiência incrível. Um daqueles casos em que a experiência é mais importante do que a música resultante.

JD - exerce também crítica jazz escrita - porquê? para quê?

RA - Comecei a escrever sobre jazz um pouco por acaso. Quando surgiu o convite do ‘Público', devido à minha experiência no Trem Azul e na Clean Feed, pensei que seria interessante experimentar, mas que provavelmente não iria gostar. Iria sentir-me pouco confortável pelo facto de também ser músico. Nada mais errado... adorei. A escrita é um grande desafio e para mim tem tanto de prazer com de sacrifício. É uma disciplina muito exigente que nos obriga a uma concentração total. Quando termino um texto, a sensação de alívio e dever cumprido é enorme. Outro dos factores que me levou a aceitar o convite do ‘Público', foi o facto de que a critica de jazz, até então, era bastante conservadora, ignorando quase totalmente as novas tendências do jazz e as áreas mais experimentais. No ‘Público', procuro cobrir todas as áreas do jazz, dando sempre prioridade aos projectos nacionais. No caso dos músicos portugueses, quem escreve é o Nuno Catarino ou o Paulo Barbosa, por sentir que eu poderia não ser isento.

JD - para além da Improvisação acha necessário, no presente e no futuro de jazz, swing?

RA - Encaro o swing como um conceito, mais do que um tipo de ritmo ou pulsação. Nesse sentido, o swing de hoje não é idêntico, nem poderia ser, ao dos anos 20 ou 40. O hard-bop tem swing, todos os tipos de jazz fortemente rítmicos têm algum tipo de swing. Penso que isso nunca irá deixar de existir. De qualquer forma, interessa-me também o jazz que não tem swing. Por exemplo, algumas coisas do Anthony Braxton ou do George Lewis, não têm qualquer tipo de swing. São mais angulares, mais duras, mas não deixam de ser grande jazz.

JD - já tocou em algum dos Festivais portugueses com jazz?

RA - Toquei no Jazz em Agosto, por duas vezes, no Festival de Valado dos Frades, no InJazz e no Seixal Jazz. Os Festivais portugueses são, tradicionalmente, bastante conservadores.

JD - e em salas como CCB - Culturgest - Fundação CG - Casa da Música?

RA - Toquei no CCB e na Casa da Música, por diversas vezes. Em Setembro tenho um projecto que vai ser apresentado no Grande Auditório da Culturgest e na Casa da Música.

JD - definiu sua sonoridade nos 3 instrumentos nos quais pratica música improvisada?

RA - A minha sonoridade foi definida de forma totalmente instintiva. É uma soma de tudo o que ouvi e da influência de todos os músicos com que toquei. O som está na nossa cabeça, não no instrumento que tocamos. Lembro-me de numa ocasião, quando comecei a tocar, o Carlos Martins pegar no meu saxofone alto da Yamaha, modelo de estudante, e sair um som que eu fiquei de boca aberta, parvo, a olhar para ele...

JD - como interpreta atitude de Trem Azul na cena jazz em Portugal e lá fora? (refiro colecção cds Clean Feed - séries de concertos free jazz em várias salas deste país - venda cds nos locais onde realizam espectáculos jazz em vários festivais - intenção de um clube jazz em Lisboa)

RA - A Trem Azul tem vindo a realizar um trabalho excelente na divulgação do jazz contemporâneo em Portugal. Para além disso, conseguiram a improvável proeza de se afirmar como uma das principais editoras independentes de jazz a nível mundial. Nesta altura, sinto que seria saudável começarem a surgir alternativas à sua actividade. O meio nacional é muito pequeno e o desgaste de serem sempre os mesmos a aparecer e a fazer as coisas é grande. Penso que seria bom para todos. Seria excelente que a Trem Azul conseguisse abrir esse clube. Bem falta faz.

JD - foi co-fundador de Trem Azul - comentários

RA - A Trem Azul já existia quando eu fui convidado a entrar. Era uma pequena distribuidora de jazz com cerca de um ano de actividade. Eu entrei para os ajudar essencialmente na fundação da editora, Clean Feed, para a qual já existia a gravação do primeiro registo. Interessava-lhes o facto de ser formado em Gestão, o facto de ser músico, a experiência que tinha em projectos de Design e os contactos acumulados na direcção da Megastore da Valentim de Carvalho. Foi uma das experiências profissionais mais interessantes e intensas da minha vida. Foi uma verdadeira aventura e o primeiro momento em que senti que estava a conseguir trabalhar apenas em coisas que realmente gostava de fazer.

JD - como justifica o silêncio de mudança no jazz desde o aparecimento do free com Ornette da fusão extra jazz realizada por Miles da morte de Coltrane? tudo isto se passou há décadas

RA - A revolução no jazz é, hoje, feita todos os dias. As grandes mudanças estéticas já não têm lugar. Isso é verdade na música, na pintura, ou na fotografia. É um fenómeno que está ligado à velocidade com que acontece a mudança. Hoje em dia a velocidade é tal que as pessoas já não têm tempo para absorver e sedimentar as diferentes fases. Numa área como a arquitectura talvez seja ainda possível esperar grandes revoluções, mas estas estarão essencialmente ligadas a avanços técnicos, não a inovações estéticas.

JD - toca blues? o que é para si um blues?

RA - O blues é uma "cor" que aparece frequentemente na minha música. Umas vezes mais do que outras. Para mim, o blues é mais um estado de espírito do que uma métrica musical.

JD -  prefere palcos de clubes ou de auditórios?

RA - Sem dúvida palcos de clubes, e de preferência pequenos. O palco Hot Clube é um dos sítios onde me sinto mais confortável, com melhor som.

JD - acha que jazz é uma Música verdadeiramente popular em Portugal (dado as centenas de concertos anuais incluídos os festivais) e qual será seu futuro neste país?

RA - A popularidade do jazz em Portugal é bastante grande e surpreendente. Muito maior do que em Espanha, por exemplo. No entanto, é um fenómeno que custa um pouco a perceber. Talvez impulsionado pela ânsia de liberdade que trouxe o 25 de Abril, talvez também pela excelência de alguns programas de autor que foram surgindo na rádio, ou por muitas outras razões ligadas aos hábitos de audição dos portugueses. Por outro lado, pode ser encarada como parte do entusiasmo que os portugueses têm pela música, de uma forma geral. A quantidade de concertos e festivais de todos os tipos de música é enorme. Não vejo nenhuma razão para que o jazz deixe de ser popular no nosso país.

JD - já tocou com um pianista?

RA - Já toquei com alguns, mas aqueles que mais me marcaram recentemente foram o João Paulo e o João Lucas. Infelizmente, muitos dos espaços disponíveis para tocar no nosso país não têm piano.

JD - obrigado Rodrigo Amado


 
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