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Quem escolhe os cartazes nos Festivais do Estoril, Seixal e Guimarães
30-04-2011 00:00
 

o que é que o levou a colaborar na organização de um Festival de jazz?

Duarte Mendonça - em Janeiro/Fevereiro de 1974 fui convidado pelo Luis Vilas-Boas para trabalhar com ele na produção do cascais/jazz de então, considerando que os anteriores associados (João Braga, Carlos Cruz, Hugo Lourenço, Francisco Silva) se desinteressaram da colaboração. Apanhei logo o ano da revolução!

Paulo Gil - Principalmente o facto de ter já larga experiência na produção de concertos de jazz, construída ao longo de quase quatro décadas -- até mesmo durante o período em que tocava bateria, ou seja, entre 1958 e 1978 -- mas igualmente o prazer que daí se tira... ao divulgar e "reviver" as músicas (os músicos) que considero mais importantes.

Ivo Martins - Julgo que não existem razões objectivas que me tivessem levado a colaborar no grupo de trabalho do Guimarães Jazz. Limitei-me a aceitar um convite extremamente simpático para fazer parte da comissão organizadora do Festival. Tenho desde muito jovem ligações ao fenómeno musical e ao Jazz, e seria injusto não reconhecer a importância do ambiente onde eu cresci que terá influenciado este processo individual de aproximação à música e às outras artes.

que tipo de jazz escolhe preferencialmente para o cartaz que organiza? porquê?

DM - como nasci em 1931 e comecei a interessar-me pelo jazz em 1946/47 primeiro com as grandes orquestras da época - Harry James, Glenn Miller, Tommy E Jimmy Dorsey, Count Basie, etc. e mais tarde "Boogie Woogie", que constituiu o primeiro salto para o jazz. Logo a seguir comecei a ouvir os discos de George Shearing e foi aí que aderi ao be-bop (sem ter consciência de que esta forma de tocar jazz era bebop!) e logo a seguir todos os grandes Getz, Parker, Dizzy, Bud Powell, Monk, Miles, Rollins, mais tarde Coltrane E Ornette, etc. Daí é fácil perceber que a música que me motiva e apaixona terá que ser obrigatoriamente com raízes no Bebop e Swing, daí escolhe-la preferencialmente para os meus festivais/concertos que produzo, música que agora se designa por "Mainstream".

PG - O jazz contemporâneo, no sentido de actual, do meu tempo, independentemente da geração de quem o toca, o qual, na minha opinião, combina o "pessoal" do pós Hard Bop com gente inserida em correntes mais modernas, por vezes também de certa maneira "experimentalistas". Porque, normalmente, me surpreende e afecta com maior facilidade, exactamente o que gostaria que se passasse com o público que frequenta os concertos. E também porque considero importante dar a conhecer esta área da música improvisada, que considero particularmente rica e criativa.

IM - A escolha não se planifica nem se estrutura a partir de um tipo específico de Jazz. Penso que um processo de selecção de projectos que tem como pressuposto um só tipo de Jazz, manifesta uma forma de entendimento que segue um conceito bastante redutor e muito limitado nas suas soluções possíveis. Os mecanismos utilizados passam por impulsos contingentes e ocasionais que muitas vezes não são de todo conscientemente percebidos. O gosto, ou melhor, a atenção que se presta a determinado projecto surge de uma maneira aleatória sem ter na sua aparência, limites de estilo ou de género. Uma programação inicia-se sempre nas experiências anteriores que, por serem extremamente subjectivas e complexas nos elementos que nelas intervêm, torna-se impossível dar explicações. Depois existe a vontade interior de estabelecer uma ordem, dar uma coerência (num ordenamento cuja lógica é pessoal e intransmissível) às várias propostas que se pretende apresentar, por forma a estabelecer processos de aliciamento para o maior número de pessoas. É evidente que gostamos (as decisões passam por um grupo de trabalho) mostrar uma grande diversidade nos projectos, de explorar novas ideias e encontrar novos músicos. O Guimarães Jazz é o último festival do ano depois de uma série de acontecimentos no contexto desta música. Compreende-se que, por isso, somos obrigados a atender a esse facto. Neste sentido, procedemos à analise do perfil de todos os outros eventos para que se torne possível evitarmos repetições desnecessárias que muitas vezes deixam transparecer uma evidente falta de ideias e um empobrecimento na variedade desta música. Desejamos programar um conjunto de concertos que alicie e desperte a curiosidade junto do público que procura conhecer o Jazz. Uma música que seja o "Jazz pelo Jazz", o "Jazz como arte pura", despido dos habituais preconceitos de reconhecimento, hierarquização, consagração e moda que em nada contribuem para o prestígio e para a seriedade desta espantosa música. Quando por vezes ouço falar em "músicos de segunda" e "músicos de primeira" julgo que as pessoas tentam autoconvencer-se e convencer os menos avisados de que existe uma instância suprema de classificação de músicos e de músicas, onde só os melhores são efectivamente reconhecidos e aclamados como tal. O sucesso está longe de ser igual ao talento e quando estamos a falar de novos músicos então esta linguagem, cheia de lugares comuns, não têm qualquer razão de existir.

qual foi o melhor concerto que organizou? porquê?

DM - Joe Henderson Trio e Orquestra de Count Basie no Parque Palmela (Cascais)

PG - Foram vários de certeza... tenho dificuldade em identificar o melhor deles.

IM - Jon Jang - "Two Flowers on a Stem". Porque correu muito bem. E porque nunca tivemos a certeza absoluta que fosse possível reunir naquele dia, naquela hora e naquele local todos os músicos envolvidos. Estivemos a trabalhar no concerto um ano com muitos contactos à mistura e algumas adversidades pelo meio. Ao produzirmos e ao concretizarmos o concerto, sentimos que novos horizontes foram surgindo e apareceram outros projectos que começaram a ser idealizados. Hoje temos várias ligações com Espanha e vamos desenvolvendo parcerias que se revelam fundamentais ao incremento de novas produções que achamos indispensáveis existirem no contexto do Jazz em Portugal.

qual foi o pior concerto que organizou? porquê?

DM - de 1989 para cá . Hilton Ruiz (o line up era fraco) no Parque Palmela estava uma noite gelada. Anterior a 89 não me lembro.

PG - Decerto, infelizmente, também foram vários... particularmente aqueles nos quais os músicos estiveram mais preocupados em "empatar a perninha à rã"! Recordo-me que não gostei do concerto que produzi, em 1997, em Lisboa, com o Paul Bley Trio: um excelente contrabaixista (George Mraz), um magnífico baterista (Al Foster), permanentemente prejudicados pelo pianista. E o mais grave é que, penso eu, o fazia de propósito...

IM - Jean-Marc Padovani e Le Minotaure Jazz Orchestra com Carmen Linares - cantos de García Lorca. Esta escolha pretende pôr em evidência a incompatibilidade entre o que era eventualmente esperado e o que sucedeu em palco. Por razões de vária ordem não conseguimos atingir (na minha opinião) todas as expectativas. Não se deve considerar um mau concerto, apenas uma desilusão. Quem não as tem? É curioso constatar que ainda hoje este tema das canções de Lorca mantem perfeitamente a sua actualidade. Verificamos que foram sendo realizadas outras produções similares em domínios musicais bem próximos do Jazz. Julgamos que no que diz respeito ao concerto de Guimarães, os arranjos estavam mal trabalhados para a magnifica voz e para uma presença tão forte de Carmen Linares. O projecto estava pouco rodado e neste tipo de projectos tocar muitas vezes é fundamental. Devo contudo referir que nesse grupo de músicos encontrava-se, por acaso, um dos melhores bateristas que vi a tocar em palco: é espanhol e chama-se Ramon Lopez. Coisas do destino - ninguém referiu esse facto.

sem apoio de autarquias ou de mecenas um Festival de jazz teria, em Portugal, um resultado com lucro financeiro?

DM - Sem apoios financeiros é completamente impossível pois os custos são cerca de 10 vezes superiores às receitas.

PG - Duvido seriamente que se possa, ainda hoje, pensar em lucro financeiro. Mas creio que tudo depende do tipo de festival, da sua duração, dos músicos/agrupamentos participantes, da época do ano, do local onde se realiza, mas acima de tudo (e passe aqui a publicidade própria... que não é intencional) da forma como toda a produção é planificada e conduzida.

IM - Numa primeira resposta apetece-me dizer que não. Mas julgo que estarão ainda por explorar muitas fórmulas de angariar patrocínios e apoios privados que podem ser aperfeiçoados e consequentemente alcançados. Por exemplo, os meios de comunicação deveriam ser uma importante ajuda na visibilidade, promoção e mediatização dos festivais e dos concertos, permitindo relançar uma estratégia de captação de patrocínios privados com sucesso por parte das várias entidades organizadoras. Por vezes fazem-se autênticos silenciamentos que não compreendo (na televisão estamos na estaca zero). Tem-se dado muita ênfase ao lado menos feliz dos concertos e dos festivais (leva-se até ao limite da tolerância a exploração jornalística do lado "não acontecimento"). Esquece-se quanto este país está fragilizado e debilitado em comparação com outros de igual dimensão e também situados na Europa. Deve-se olhar com mais atenção para a parte positiva. Só através de muito esforço e paixão se torna possível colocar de pé e manter em actividade os poucos festivais e os concertos que são realizados anualmente. Temos de perceber que é prioritário consolidar esta música positivando-a junto do público em geral. Perdem-se tantas boas oportunidades de o fazer quando se discute em demasia o acessório, o dispensável e o secundário enquanto vão existindo limitações de visibilidade e uma evidente falta de acção efectiva na sua promoção. É essencial consolidar através de estratégias de intervenção uma divulgação eficaz do Jazz. Andamos sempre a começar pelo fim.

qual é o tipo de jazz seu preferido? porquê?

DM - Swing e Bebop pelos motivos atrás expostos, tudo o que seja relacionado com a vida e obra de Charlie Parker me arrepia e comove. Foi o maior génio deste século! "it don´t mean a thing it ain't got that swing"

PG - Todo aquele que é feito por bons músicos, e em particular, por bons músicos inspirados, mas preparados para arriscar enquanto tocam, com a capacidade de surpreender sempre quem os ouve.

IM - Não tenho preferências. Em todas as artes e músicas existem coisas muito boas e outras muito más. Não consigo, por razões de prática pessoal e forma de estar, ter a menor reserva em relação a tudo aquilo que é criado com autenticidade artística. O Jazz revela-se como mais uma forma de expor a capacidade e o prazer de sentir. As sensibilidades também se ginasticam e desenvolvem-se através de uma prática constante. Só conhecendo e ouvindo muito é que podemos pô-la permanentemente à prova e aumentar, assim, o nosso saber potencial com o consequente aumento de elaboração crítica.

considera os Festivais bons instrumentos de divulgação de jazz?

DM - Os festivais e concertos são excelentes meios de divulgação do jazz mas devem ser complementados com rádio (muita!) Que infelizmente não há, televisão e escrita!

PG - Acho que alguns festivais de jazz são excelentes instrumentos de divulgação e promoção desta música junto de públicos diversificados. Aliás, como todos já devem ter compreendido, a melhor forma de ouvir jazz é "ao vivo".

IM - São importantes veículos de divulgação mas não são os únicos. Existe um "campo" onde têm de coexistir, entre os músicos e os destinatários das suas obras, muitas outras actividades que são essenciais às vivências estruturais e ambientais que decorrem do fluir natural desta arte. A crítica, a história, os movimentos criativos, as polémicas, as monografias, os ensaios, a escola, a improvisação, a tradição versus moderno, a arte comercial, a arte pura, os interesses sociais, políticos e económicos... os seus jogos, os confrontos, os choques entre estas ideias são alguns dos elementos, entre muitos outros, indispensáveis no respirar do Jazz como música viva, em permanente evolução e portanto actuante, porque é ainda capaz de transmitir estímulos e unir muitas pessoas à sua volta.

quem podemos esperar este ano no Festival em que colabora?

DM - Por enquanto é segredo - dentro das próximas semanas informarei.

PG - Ainda é cedo para falar desta assunto, mas asseguro que é tudo "boa gente"... Se estarão em noites mais ou menos felizes, logo se verá!

IM - Não posso infelizmente dizer nada acerca do programa deste ano. Acontecimentos recentes e nada dignificadores impedem-me de referir algumas ideias sobre os próximos projectos que já estão em andamento em relação ao Guimarães Jazz 2000, o que seria de facto interessante fazer. Gostava de poder expor com confiança aquilo que musicalmente poderá ser a evolução artística do Jazz quando estamos neste final de milénio, mas não é possível. Lembro que também tenho o dever de salvaguardar a divulgação das decisões, manifestando a maior consideração e lealdade pelo grupo de trabalho do qual sou apenas uma parte.

descreva o seu Festival ideal de jazz

DM - Para um país com a dimensão de Portugal e capitais como Lisboa e porto penso que tudo o que seja mais de quatro a seis concertos seguidos ou em dois fins de semana, é excessivo, desgastante e que não beneficia ninguém... a capacidade de análise e fruição da música fica diminuída. Como formato gostaria de apresentar sempre uma cantora, uma Big Band, pequenas formações quintetos, sextetos, etc. piano trio, blues (moderamente e escolhidos com critério) e grupos vocais... infelizmente tendem a desaparecer. Gostava de poder "repescar" a Jackie Cain e o Roy Kral por exemplo! e tantos outros do antigamente!

PG - Um acontecimento que se pudesse desenrolar ao longo de um período de tempo alargado (de preferência, 52 semanas...), para que não existissem "desertos" na planificação dos diversos concertos. Mas um trimestre já seria óptimo, no género dos "Banlieues Bleues" em França, que por sinal duram dois meses. Ou seja, difícil de concretizar, mas de modo algum impossível. Em qualquer caso, sempre com o objectivo de surpreender o público, cativá-lo para esta música, salientar o trabalho dos músicos jovens, justapondo os estilos, as correntes musicais e as abordagens mais arrojadas que, cada vez mais coabitam.

IM - A arte não pode existir como um acto criativo ideal porque se assim acontecesse seria a sua própria negação. Um festival é por princípio o somatório de vários actos criativos, que por nunca estarem acabados, contem necessariamente riscos. O acto criativo se fosse ideal não permitiria as sucessivas leituras e tantas outras reinterpretações que são feitas através dos tempos, tornando a grande obra num momento impressionante de renovada e permanente actualidade. A capacidade de meduzar constantemente os seus seguidores é que faz do Jazz uma música imprescindível para a compreensão do nosso mundo. O Festival "ideal" seria aquele que conseguisse atrair o interesse do público sem a mais pequena influência de qualquer preconceito de moda, consagração, reconhecimento, hierarquização, etc., que fosse capaz de estimular a necessidade de aprender de cada um e incentivasse o acto corajoso de nos expormos sem as habituais bengalas do saber oficial e dos seus repetidos bons conselhos. Acho que quando atingirmos este momento o Jazz adquiriu valores muito importantes. Alguém dizia a propósito que a cultura é "formar a atenção".

como vê o papel de organizações como Culturgest, CCB, Serralves, Gulbenkian?

DM - Importantes pois dispõem de meios financeiros, e excelentes infra-estruturas. o CCB infelizmente corre o risco de se transformar num centro de cultura entregue a produtores privados endinheirados, pois o orçamento próprio é manifestamente insuficiente.

PG - Têm (ou deveriam ter...) uma enorme responsabilidade na divulgação da música, e em particular do jazz, habitualmente um "parente mais desprotegido, quando não esquecido". Mas tudo depende de quem se encontra na gestão dessas diferentes entidades: na prática, o seu papel de divulgadores do jazz é ainda discutível. Penso que não seria má política que as quatro entidades referidas "acertassem as agulhas" na área da sua programação, complementando-se, na medida do possível, nesta acção de promoção da música.

IM - Interessante e importante. No entanto, temos de reconhecer que o Jazz se encontra num plano secundário em relação ao espaço e aos orçamentos que são afectos, por estas entidades, às outras manifestações artísticas.

 

texto publicado em jazzportugal.net em 2002


José Duarte
 
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