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Jacinta
01-05-2002 00:00
 
Qual é o seu passado musical? Estudos, trabalhos, áreas da Música. Estudo música desde os meus 4 anos. Comecei pela iniciação musical Orff e pelo estudo da música barroca, trabalhando instrumentos de percussão, flauta de bisel barroca e a voz. Aos 12 anos entrei no Conservatório de Música de Aveiro para as disciplinas de piano, violino e formação musical. Ao longo dos 7 anos naquela escola, mantive o piano e fiz todas as outras disciplinas do curso geral. Aos 19, decidi que talvez gostasse de me dedicar à música profissionalmente e o Jazz mostrava-se bastante atraente. Dado que esta área não existe nos nossos cursos de música, achei que a melhor opção naquele momento seria a área de composição - ingressei na licenciatura de Música Ensino da Universidade de Aveiro onde trabalhei com Amílcar Vasques Dias e João Pedro Oliveira. Ao longo da minha adolescência e paralelamente à secundária e aos estudos do Conservatório, fiz parte de vários grupos instrumentais e vocais desde a música barroca à música popular portuguesa. Mas só no Doce Caos, um grupo de rock sinfónico que co-liderei como vocalista e compositora, descobri verdadeiramente a minha voz. Nas férias de Verão e entre semestres começo então a participar em workshops de Jazz e a dedicar-me ao estudo da voz como instrumento. Estudei técnica clássica com António Salgado e Isabel Maya e interpretação jazz com Inês Martins. Participei em workshops vários com Carlos Martins e Carlos Barretto, com o quarteto Sherrie Mericle, e com Norma Winstone. Aquando da minha participação no programa televisivo Chuva de Estrelas (1993/94), com a imitação de Ella Fitzgerald, descubro o meu potencial como cantora de Jazz. A popularidade daquelas sessões foi a minha rampa de lançamento para o mundo do Jazz. Comecei a ser convidada para fazer concertos e para integrar bandas com músicos de Jazz consagrados na zona norte do nosso país. Em antecipação à minha aventura norte americana, frequento a escola do Hot Clube de Portugal e estudo improvisação com Laurent Filipe. Em 1997 candidato-me à Manhattan School of Music, em Nova Iorque e sou premiada com bolsa de estudos para realização do curso de Mestrado. Nos dois anos seguintes, trabalho técnica vocal e interpretação estilística do repertório jazzístico com Peter Eldridge (The New York Voices), e improvisação jazz com Chris Rosenberg (The Ornette Coleman Band). Para além de todas as outras disciplinas e professores integrantes do curso, participo também em Master classes de grandes nomes do Jazz, com destaque para a cantora legendária Annie Ross, o contrabaixista Dave Holand, e para o pianista Kenny Barron. Há cerca de 1 ano mudei-me para Silicon Valley, São Francisco, onde sou “side woman” pela primeira vez na vida, sendo cantora convidada fixa em duas bandas. Desde essa altura já actuamos em alguns dos maiores lugares de culto da “jazz scene” da costa oeste americana: Yoshi’s e Kimbal’s East. E se acontecer tornar-se a primeira sensação deste século no pobre mundo do jazz português em Portugal?... Não é essa a minha primeira preocupação. O que eu mais desejo é ter locais onde actuar com frequência, público para me “ouver” e poder tocar com músicos de qualidade. Para conseguir isso se calhar tem que haver algum sensasionalismo mediático envolvido que, infelizmente, não está no meu controlo. Sendo uma branca clara loura, de Gafanha da Nazaré, como explica cantar ‘blues’, o folclore negro norte-americano? É um atrevimento! Mas que tem tido muito boa aceitação da parte dos músicos de Blues e da audiência norte-americanos. Como nasceu e se desenvolveu a ideia de uma homenagem à obra de Bessie Smith, a ‘Imperatriz’ dos ‘blues’ nos anos 20 do século passado? Laurent Filipe convidou-me para este projecto, encomendado para o Festival das Músicas e dos Portos. Desde Novembro que, Laurent em Portugal e eu nos Estados Unidos, temos desenvolvido este trabalho a partir das gravações que existem da época. O único song book que existe da cantora deu-nos uma ajuda para 5 dos temas escolhidos para este espectáculo, mas os outros 15 foi partir pedra desde o início. Laurent fez as transcrições e os arranjos que moldaram e modernizaram completamente as canções (que sem esses seriam monótonas melodias acompanhadas ao piano uma atrás da outra), eu dediquei-me ao estudo das letras, melodias, inflecções de voz, fraseados e interpretação dos temas, o mais próximo possível do estilo da época e da Bessie Smith. Sabe que não havendo cantores de jazz em Portugal, a cena é das mulheres. Qual é a sua opinião sobre elas como cantoras? Somos poucas mas boas! É essencial para um músico português de jazz cursar uma escola em New York? Não. Temos excelentes músicos de Jazz em Portugal que nunca foram aos E.U., mas é um facto que o ensino do Jazz vocal em Portugal é quase inexistente o que obriga os cantores a procurarem-no noutros lugares. ‘Scat’ aprende-se? Como? A aprendizagem da improvisação jazz requere bastante estudo e força de vontade, quer se trate de um instrumento ou da voz, embora, e mais uma vez, como para a voz as coisas estão bastante atrasadas e desorganizadas em termos de escola, se um cantor escolhe levar esta disciplina a sério tem que procurar as melhores fontes e depois aprender a adapta-las ao seu instrumento, com muita persistência e dedicação. Mas não é obrigatório um cantor saber improvisar fora da melodia do tema, temos na história do Jazz grandes nomes que nunca o fizeram e no entanto serão lembrados e imitados para sempre. O seu reportório Gosto de fazer alguns Standards, os que me desafiam em cada interpretação; canto também alguns dos meus temas e estou neste momento em busca de um repertório de raiz portuguesa, inédito ou re-arranjado. Canto já alguns dos meus temas em português, mas continuo à procura de poetas e letristas que queiram trabalhar comigo. Quais são as cantoras e cantores que ouve com maior respeito musical? Sarah Vaughan, Amália Rodrigues, Maria Callas, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Betty Carter, Elis Regina, Bobby Mcferrin, Darmon Meader, Jon Hendricks, Anita Baker E as que mais gosta? Mesma lista de cima A ‘velha’ pergunta. Acha que ainda é possível tentar cantar ‘standards’ depois de Ella, Sinatra e muitos outros geniais as terem cantado? Sim, sobretudo não os imitando mas fazendo-o da forma que eles o fizeram: com autenticidade, sem falsos floreados e variações, entregando a alma em cada interpretação. Billie disse que não apreciava Sarah porque esta ‘destruía’ os temas e Betty Carter, que aliás também os ‘destruia’, disse que para ouvir cantar ‘standards’ a obra de Ella chegava e sobejava. Comentários. Se por “destruir” se entende interpretar genialmente e com um toque pessoal inconfundível, a própria Billie Holiday era perita em destruir temas de uma forma maravilhosa e irresistível. Todos os grandes intérpretes de Jazz o fazem uns mais do que outros e se para apreciar totalmente um trabalho de uma Betty Carter, o ouvinte tem que conhecer o tema previamente (pois ela nem de longe o vai expôr como está escrito), ao ouvir uma Sarah Vaughan, o ouvinte tem decerto uma ideia do tema original na primeira exposição que o prepara para as deslumbrantes e acrobáticas variações interpretativas que se seguem. No entanto quando Ella Fitzgerald escolhe cantar uma balada simples sem variações virtuosísticas, apenas tal qual o que está escrito nos Real Books, o resultado é igualmente assombroso pois o poder interpretativo é tão grande e a entrega de tal ordem que nos converte totalmente e obriga-nos a parar a nossa existência durante os 3 minutos de elevação espiritual musical. E as melodias portuguesas, as letras portuguesas? Estão no seu horizonte de autora / intérprete? Sim, e talvez para mais cedo do que eu imaginava... Considera-se autora ou intérprete? As duas coisas. Tanto na interpretação de standards como na dos meus próprios temas. O ter ‘swing’ pode ser ensinado? Como o conseguiu? Pode ser ensinado mas sobretudo aprendido, com estudos vários e muita persistência. No entanto requere um forte sentido rítmico que, temo, tem que nascer connosco. Imagine que podia escolher - sem limitações financeiras ou de nacionalidades - um grupo / orquestra para a acompanhar. Que músicos escolheria? O trio do Chick Corea. (Como grupo vocal, os Take 6. Como Big Band, a orquestra de Count Basie. Como Orquestra de Jazz, a da Maria Schneider.) Espera, quer, vai gravar em breve? Se a esperança nunca morre e se querer é poder, vou gravar muito em breve! Deseja que Catarina, sua filha, seja músico de jazz? Dá prazeres, dinheiro, realização? Vantagens e inconvenientes. O perseguir de um sonho exige frequentemente a opção por caminhos menos fáceis em que o trabalho persistente e a determinação em atingir uma meta nos marcam totalmente. E cada patamar conseguido contribui para a minha realização. Como é hoje o ambiente do jazz em New York e em S.Franciso - Silicon Valley onde reside? Em Silicon Valley, área entre São José e São Francisco (a 60 Km de distância), há vários festivais internacionais de jazz que acontecem da Primavera ao Outono. Em Agosto estive no festival de São José que dura 3 dias e é constituído por 15 palcos espalhados pela baixa da cidade com música ininterrupta do meio dia às 22 horas, com acesso gratuito a todos esses eventos, para além dos que decorrem em todos os clubes da zona, que oferecem as suas instalações para mais jazz. Em Nova Iorque vivi dois anos e meio que não chegaram para visitar nem metade dos clubes de jazz da cidade, que só na baixa são mais de 100. Há milhares de excelentes músicos em Manhattan. O nível de exigência por parte do público é muito apurado. A tradição do ensino do jazz no ensino superior é muito forte e as universidades oferecem currículos bem estruturados que permitem a realização de estudos metódicos das várias disciplinas do jazz. É comum nas grandes áreas urbanas dos Estados unidos haver uma ou mais estações de rádio exclusivamente de jazz, com música 24 horas por dia, assim como a organização de concertos locais com grandes nomes do jazz. Recentemente vi em São José o saxofonista Wayne Shorter com Herbie Hancock em duo, no seu trabalho “1+1”, do qual destaco os magníficos momentos de improvisação livre em duo. Canta-se melhor quando se está feliz ou é preciso sofrimento para cantar ‘blues’? Penso que as dificuldades do dia a dia nos dão uma certa maturidade e o sofrimento ensina-nos a sentir de forma diferente, mais profundamente, e a sabermos distanciar-nos um pouco das vivências diárias para podermos apreciar a vida. Ao mesmo tempo penso que não é o sofrimento per si, mas o erguer a cabeça depois de uma crise que dá ao cantor estamina para cantar seja o que for com uma força renovada que vem de dentro.

José Duarte
 
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