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Maria Anadon disse
21-05-2007 00:00
 

Maria Anadon voltou a passar por cá, agora para mostrar uma formação musical só de mulheres  com quem gravou, em Nova Iorque, o CD ‘A Jazzy Way'.

Um registo feito num só dia, pela editora independente norte-americana Arbors Records, que motivou uma digressão com ponto alto no Casino Lisboa e com aquecimentos em Ponte da Barca e Portimão.

Na América como agora em casa, TV's, rádios e jornais rasgam-lhe elogios.

Ponte da Barca, sábado de chuva. Ocorre a Feira do Livro. Numa tenda central escaparates propõem leituras. Um espectáculo com Maria Anadon está anunciado para a noite.

Cai a tarde, os técnicos levam quase duas horas a afinar o som.

"Às vezes acontece mesmo em salas de qualidade", diz-nos a cantora, "eles têm que definir as frequências".

Para as ‘Five Play', como se chama o conjunto que acompanha Anadon, a passagem em Ponte da Barca vai servindo de afinação para o concerto de segunda-feira, na Arena Lounge do Casino Lisboa.

Sherrie Maricle, a norte-americana com quem em 1994 Anadon gravara "Why Jazz?", vai aquecendo à bateria e o mesmo vão fazendo as japonesas Tomoko Ohno ao piano e Noriko Ueda ao contrabaixo.

Entram os sons quentes da americana Christie North, que na digressão em Portugal substitui no saxofone  israelita Anat Cohen.

 Em ‘A Jazzy Way', Maria Anadon canta ‘Old Devil Moon', ‘Confirmation' ou ‘My One and Only Love.  São temas standard que todos os melómanos do jazz vão conhecendo. É uma opção estética que dá seguimento ao registo ‘Why Jazz', gravado em 1994, também só com mulheres - a baterista era a mesma.

Correio do Minho - Porquê só mulheres novamente?

Maria Anadon - Eu andava à procura de gravar qualquer coisa que me apetecesse. Estes temas acompanhavam-me há vários anos. Experimentei de várias maneiras; uma formação com violoncelo, acordeão, guitarra.. As coisas tomavam forma e tornavam-se engraçadas, mas depois falhava qualquer coisa..

CM - Essas tentativas ocorreram onde? 

MA - Em Lisboa. Com um músico português, outro italiano. Fui experimentando várias coisas,  sempre a abordar os standards. Mas falhava-me sempre a parte do swing. E eu sou uma apaixonada do swing. Para mim se a música não tem swing, há qualquer coisa que falha. As coisas acabaram por acontecer num jantar em minha casa e alguém me pergunta:  eh pá, por que não voltas a fazer qualquer coisa com as mulheres? E eu disse: é verdade pá, mas perdi o contacto. No meio desta caminhada que leva 13 anos após o Unpredictible Nature, de que a única que se mantém é a baterista, a Sherry. Era a líder como é a lider da ... Orchestra de que sai o grupo, uma formação mais flexível, para números em que seja mais fácil de transportar e não seja possível uma grande orquestra. Mesmo quando foi aquilo do 11 de Setembro eu tentei entrar em contacto com elas pelos telefones que eu tinha. Não me ocorria que ela tivesse uma webpage. No dia seguinte fui ao Google, inseri o nome dela, apareceram-me toneladas de informação, entre elas o mail. Contactei a Sherrie. Recebi passado um dia (temos aquela décalage de cinco horas) o contacto. Foi muito bonito.

 CM - A empatia anterior estava viva?

MA - Sim, mesmo sem nos falarmos. Daí até eu começar a estruturar na minha cabeça o que me apetecia fazer, qualquer coisa de forte em termos daquilo que eu gosto, foi um passinho. Estávamos em finais de Novembro. Em Dezembro eu já estava a pedir um Manifesto Interesse Cultural para este trabalho ao ministério da Cultura. Fui convidada par a fazer um programa de televisão, tendo as Five Play como banda de suporte que por acaso não foi para a frente porque as coisas ficaram no caminho, como tantas outras coisas que surgem. Foi-me proposto que eu fizesse entrevistas. Eu questionei-me: será que eu estou à altura de fazer uma coisa dessas? Eu nunca entrevistei ninguém. Já fui bastante crítica em relação a colegas cantores fazerem este tipo de trabalho e não é aquilo que eu acho que  mais piada. depois ha os profissionais das entrevistas que nao acham propriamente piada a sermos nós a entrar nesse tipo de situação. E não já andava à procura de sponsors para poder fazer o trabalho que eu queria. A ideia era fazer como fizera com as Unpredictable Nature, convida-las para tocar cá em Portugal durante uma semana, fazemos uns concertos. Depois demonstraram-me que era muito mais simples, porque não tinha quatro viagens, tinha só uma que era minha. Ia a Nova Iorque gravar em estúdio. Elas estão lá, as coisas ficam mais fáceis. Foi apenas reunir as coisas, e já com o Manifesto de Interesse Cultural.

CM - O Manifesto de Interesse Cultural não é  coisa tão conhecida quanto isso;  que importância tem?

Maria Anadon - Se o ministério da Cultura entende que certo projecto tem interesse, dá-nos, não dinheiro, mas reconhecimento, uma folha de papel é publicada em Diário da República. Com isso eu posso junto dos potenciais patrocinadores ter algo mais para oferecer como contrapartida,  para além da simples inserção de um logo num CD. O Estado oferece aos patrocinadores majoração fiscal de 20 por cento.

 CM - Patrocinador que dê 1.000 euros deduz sobre 1.200 euros?

MA - Exacto. Músicos que eu conheço não se dão a este trabalho.

CM - Mas queixam-se que não há apoios...

MA - Também é verdade que o ministério não dá manifestos de interesse cultural a toda a gente.

 CM - O que fizeste para valer o mérito do teu projecto?

MA - Eu tenho, graças a Deus, uma carreira. Mas há uma ficha para preencher. Depois, tens ainda de associar a isso  situações que fizeste anteriormente. Eu já tinha manifestos de interesse cultural nos anteriores trabalhos, o Why Jazz? e o do cinema português. Isso já tem algum peso. Também não tenho nenhuma crítica negativa aos meus trabalhos.

CM - Patrocinadores, com o manifesto, aderem com mais facilidade?

MA - Nem sempre. Dou graças a Deus por ter tido outras profissões. Como sabes, eu trabalhei anos em venda de publicidade. Fiz o mesmo numa empresa de design por onde passei. Eu admito que algumas pessoas sintam dificuldades em fazer isto: então eu vou lá agora chatear o senhor? As coisas mudaram completamente.  Hoje não tens as editoras a pagar a feitura de um CD. Eu não paguei estúdio, eu não paguei fotos, eu não paguei nada. Obviamente eu tive retorno no que eram os meus direitos por todo esse investimento. Recebia na altura 150 CD (mais do que alguns músicos bem conhecidos da  praça). Isto porquê? O jazz, tão rico, é ainda o parente pobre da música. Então, não há assim grandes royalties, porque eles não estão à espera de um grande retorno nas vendas e também não apostam tanto na divulgação. É como a pescadinha de rabo na boca: como se não há divulgação as pessoas não conhecem, também se as pessoas não conhecem, não compram. E os CD chegam ao público a preços elevados.

CM - E como é isso de uma portuguesa chegar à América para cantar jazz? É perturbador?

MA - É. Na semana anterior. Cantar jazz nos Estados Unidos é uma oportunidade fantástica. É obviamente um desafio, não deixa de ser uma estrangeira na terra do jazz, a cantar a música deles, com as devidas preocupações de não falhar em termos de sotaque - isso tem sido uma das melhores críticas que posso ter (e focam isso). É muito bom. E todos os concertos que fizemos tiveram sala cheia.

CM - Alguma vez alguém te interpelou mais ou menos assim: então você é uma portuguesa e vem para aqui cantar jazz?

MA - Nunca. Havia apenas um bocado desse pânico interior. Ainda no ano passado tivemos quatro concertos integrados num festival. Foi a nossa primeira saída para o exterior depois do CD feito e as reacções foram absolutamente fantásticas. As coisas funcionam. Um jornalista perguntou-me se seria possível mudar a formação. "Não", respondi-lhe, "em equipa que ganha não se mexe". Tive agora que encontrar uma alternativa para a saxofonista mas ela também não é propriamente o meu chão. O meu chão é-me transmitido da pianista e pela baterista. A Sherrie é insubstituível porque é um crono autêntico e transmite imensa força às pessoas.

CM - Mas haveria neste grupo lugar para um homem?

MA - Trabalho com bons músicos. Se pelo facto de sermos mulheres pode vender mais, posso garantir que há um reverso da medalha.  Um potencial patrocinador desistiu por sermos só mulheres. Eu até pensei: ele está a pensar o quê? que eu virei? Por acaso não, mas se tivesse virado seria um problema meu.  E a maior parte dos grupos que conhecemos, quer rock, quer pop, quer no jazz, são masculinos e não me passa pela cabeça que lhes vão perguntar se agora são gays.

CM - Há uma maneira feminina de fazer música? Ou a música não tem sexo?

MA - Eu acho que não, digo muito sinceramente. Um homem pode ser igualmente sensível.  Eu tenho coisas lindíssimas tocadas no meu primeiro CD pelo Carlos Azevedo. Não sinto isso dessa maneira.

 CM -Depois do triunfo na América como foi o regresso a casa?

MA - Não deixou de ser um susto. Eu estive parada por motivos de saúde durante quatro anos. Parada em termos deste tipo de espectáculos. Fui operada, estive com um pé engessado. Mantive-me activa mas na sombra. Aparecer agora com um grande projecto não deixa de ser assustador. Ai! Ai!... Lá fora fui muito bem recebida, como vai ser agora no meu país? Mas foi muito bem. Entrevistas na rádio e nos jornais, concertos na Ponte da Barca, no Casino de Lisboa e em Portimão e outras coisas ainda a serem negociadas. Há possibilidade de para o ano fazermos uma tournée no Japão. As coisas vão surgindo , mas não deixa de ser assustador. Por cá eu continuo a dar aulas de voz, tenho as minhas alunas. Alguma estão a dar os primeiros passos a cantar. Ainda não são conhecidas, não sei o que vão fazer.

  CM - Esta formação, à parte negociações pendentes com uma eventual digressão no Japão, pode ter ainda antes algo mais? espectáculos? Um novo CD?

MA - Espero que sim. Estou a pensar organizar uma tournée para o Outono. Algumas câmaras municipais têm mais abertura espiritual. Quanto a um novo CD, acabamos de gravar um, fizemo-lo num só dia, está ainda quente. Apetece continuar. Teria sido possível. Está o mais possível em aberto.

 

em maio 2007

Rui Serapicos

entrevista cedida pelo ‘Correio da Minho'


 
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