jazzportugal.ua.pt
HOME CONTACTOS BUSCA SUBSCRIÇÃO
 
agenda
media
escritos e entrevistas
músicos
jazzlinks
  escritos  ::  entrevistas  ::  trabalhos alunos UA  ::  e mail e fax  ::  riff  ::  Jazz de A a ZZ

escritos e entrevistas > lista de entrevistas > ver entrevista
Afonso Pais
19-10-2008 00:00
 

JD/ o instrumento que toca chama-lhe viola ou guitarra? porquê?

AP/ Viola é o instrumento de eleição dos adolescentes, tocam-no à volta da fogueira.

JD/ acho que o piano foi o instrumento do século 19 e a guitarra electrificada o do 20 está de acordo?

AP/ É verdade que o aparecimento de amplificadores tornou possível, ou audível, a guitarra como instrumento improvisador de linhas melódicas no contexto de um ensemble ou Big-Band de jazz. Porém o mesmo se poderá dizer do contrabaixo, sendo que contrabaixistas como Jimmy Blanton, Oscar Pettiford ou mesmo Paul Chambers dos anos 50 o faziam acústico  até então, e Jimmy Garrison o fez com Coltrane até meio dos 60. O mesmo aconteceu com Django, que improvisou acústico ao longo de maior parte da sua carreira, certamente por escolha. Simplesmente os contrabaixistas enveredaram pela amplificação como forma de se fazerem ouvir quanto baste, ao passo que os guitarristas trouxeram ao mundo o início do eléctrico como estética musical, subsequentemente o surgimento das guitarras de corpo sólido que permitiram distorção com "feed-back" controlável, em resumo potencial para mais volume de som. Quantidade tem sido sinónimo de qualidade para nós, ávidos consumidores. 

JD/ nas Escolas de jazz a esmagadora maioria dos alunos estuda guitarra electrificada e o saxofone e a trompete? dê-nos sua opinião

AP/ Que outro instrumento tem mais de três oitavas e meia de registo, pode ser facilmente transportado, providencia harmonia e melodia, faz parte integrante de 10 em 10 telediscos que vemos na televisão? Creio que se as Escolas de jazz tornassem obrigatório o estudo de um segundo instrumento, a questão deixava de existir. 

JD/considera-se um dos melhores guitarristas jazz portugueses? sem cerimónias ou modéstias...

AP/ Considero-me um dos mais apaixonados e dedicados.

JD/ quem são os outros também bons?

AP/ Todos os meus colegas que, com uma dedicação e obsessão tais, persistem na busca pelo seu lugar num meio tão pantanoso quanto o que nos rodeia.

JD/ exibe-se em concerto ou em gravações em acústica?

AP/ Ambos. Integro actualmente um projecto de tributo a Tom Jobim, com Joana Machado e Filipe Melo em que toco exclusivamente acústica. No meu disco "Terranova" gravei "Domo da Metazona" na acústica nylon, e no próximo, "Subsequências", a ser editado neste primeiro semestre de 2007, gravei dois temas, com Edu Lobo na voz.

JD/ utiliza aparelhos para modificar a sonoridade da guitarra?

AP/ A diferença entre aparelhos e dispositivos está, num contexto musical, na tecnologia envolvida. Uso dispositivos, ou técnicas de ornamento/expressividade na minha busca por recursos que diversifiquem e enriqueçam o meu som de instrumento. O amplificador que uso é, na vertente tecnológica, um contributo para a sonoridade modificada do instrumento que toco. Não uso pedais, ou caixas de efeitos.

JD/ Pat Metheny 'tem' swing?

AP/ Pat Metheny tem articulação, balanço, criatividade e inovação. Swing é subjectivo, indefinível. Tem?

JD/conhece o que Charlie Christian deixou gravado?

AP/ Charlie Christian é responsável por toda a linhagem de guitarristas que construíram a sua linguagem na descendência da tradição. Sem ele não teria existido Wes, Jim Hall, Pat Metheny, John Scofield, Peter Bernstein ou Kurt Rosenwinkle tal como os conhecemos. Talvez não estivesse aqui a responder a estas perguntas. Conheço.

JD/ toca fado?

AP/ Não toco, mas faz parte de uma  manifestação cada vez mais rara da nossa essência cultural, que levo como inspiração.

JD/ que formação jazz tem?

AP/ Estudei no Hot Clube e na New School University. Antes, a par e depois da minha formação académica tenho aprendido fazendo o que me dá mais prazer: compor e tocar, por ordem arbitrária.

JD/ que pensa dos guitarristas ciganos e do seu jazz?

AP/ Têm o mérito de, contra todas as expectativas, terem conseguido que lhes fosse reconhecida uma identidade artística absolutamente distinta da dos músicos de jazz norte Americanos, apesar do uso de algum do seu repertório. Outros tempos?

JD/que pensa do flamenco?

AP/ Admiro imensamente, prefiro desconhecer os contornos técnicos da guitarra flamenco, desistiria rapidamente do meu instrumento...

JD/ os fados e os blues têem afinidades? quais?

AP) Ambos relatam histórias de vivências representativas de culturas absolutamente distintas.

JD/ prefere tocar standards ou composições suas?

AP/ Cresci musicalmente aprendendo os temas do cancioneiro norte Americano, ainda hoje estou por perto deles aqui ou além. A música que idealizo é desde logo, e em simultâneo, uma consequência e antevisão do meu imaginário enquanto improvisador. A cada tema que componho tento conferir uma característica única, um conceito que o identifique e diferencie dos demais. Por essa razão muitos dos temas acabam por ser "tubos de ensaio" que me encaminham para outros, e dessa forma só uma fracção do resultado criativo chega ao repertório de disco, ou de concerto. São estes temas escolhidos que eventualmente representam a linguagem com que me expressarei, como improvisador.  Alguns standards de eleição são para mim exemplos plenos no que respeita à melodia da composição como ponto de partida ou chegada na linguagem do improvisador.

JD/e prefere companhar vozes ou prefere instrumentais?

AP/ São trabalhos diferentes, faço ambos com gosto, em doses desiguais. Toco mais instrumental, nesta proporção encontro equilíbrio. 

JD/ qual a formação que prefere ou preferiria para consigo tocar?

AP/ Gosto do Trio de guitarra, com contrabaixo e bateria. 

JD/memoriza solos para os debitar em público? acha mal ou bem?

AP/ Pessoas diferentes usam processos diferentes para evoluir, sendo que o meu passou pouco pela transcrição / memorização de solos, muito menos debitar em público. Todos os caminhos são legitimos desde que estimulem a evolução.

JD/ Beethoven era um improvisador?

AP/ Acredito que qualquer compositor de tal envergadura pode ser, se quiser, um improvisador, criando em tempo real. A imaginação abarca as duas vertentes, creio.  

JD/cantar e tocar em simultâneo parece-lhe preferível?

AP/ Cantar mentalmente parece-me ideal no processo.

JD/ opinião sobre Mário Delgado

AP/ Fui aluno do Mário em 1995 / 96, admiro-o como músico e guitarrista desde então.

JD/tem discos onde gravou sua Música? quais? quando? com quem?

AP/ "Subsequências", disponível brevemente, com Carlos Barretto (contrabaixo), Alexandre Frazão (bateria) e Edu Lobo na voz, em dois temas.  "Crude", de Joana Machado, 2005, minha direcção musical e dois temas originais, com Bernardo Moreira, contrabaixo, e Bruno Pedroso na bateria. "Terranova", do fim de 2004, com Carlos Barretto e Alexandre Frazão.

JD/ para uma proposta de um cd a solo que reportório escolheria?

AP/ Acho que a escolha da instrumentação e a do repertório são independentes,pelo que qualquer repertório seria passível de ser adaptado a guitarra solo.

JD/ quantos e quais instrumentos tem?

AP/ Algumas guitarras, contrabaixo, piano e trompete.

JD/quanto custa em Portugal uma boa guitarra pronta a ser electrificada? e os acessórios?

AP/ O suficiente para ser considerada um capricho por demasiados pais ou suficientemente pouco para ser mais um objecto de uso e descarte entre muitos outros.

JD/onde estudou guitarra? com quem?

AP/ Os meus professores aqui foram Vasco Agostinho e António Pinto, em Nova Iorque Peter Bermstein, Vic Juris e Kurt Rosenwinkle.

JD/ Jimi Hendrix quem foi ele? tem influências dele ou desconhece sua Música?

AP/ Conheço Jimi Hendrix, mas não faz parte do meu imaginário musical. 

JD/ está de acordo que Jim Hall é o melhor dos mais antigos? porquê?

AP/ Está certamente entre os meus favoritos. É o exemplo vivo de como a técnica existe idealmente para servir a musicalidade, nada nele soa gratuito, tudo musical, verdadeiramente inspirado. É também um dos raros guitarristas com uma abordagem muito pouco convencional e fresca dos acordes. Transcende o instrumento.

JD/ acha que tem algo a aprender com um guitarrista alemão ou esloveno? quem diz guitarrista diz músico...

AP/ Confesso que nunca fui exemplar na minha capacidade de ouvir música por dever. Quero com isto dizer que: ou gosto do que ouço, e nesse caso só paro quando sei o disco de cor, ou simplesmente o ponho de lado. Tive experiências boas e más com discos de músicos das mais diversas nacionalidades, em ambas tenho muito a aprender, nem que seja com o questionar das minhas próprias preferências.

JD/ já vai longa a  conversa... em quantos chorus se esgota a improvisar?

AP/ Depende, não conto os chorus.

JD/o seu feitio em certo dia impressiona-lhe a maneira de tocar nesse dia? é um guitarrista soft nunca grita

AP/ Para o bem ou para o mal. Tento que não afecte a minha competência!

JD/toca contra quem? toca por alguém?

AP/ Não faço música para intervir a favor ou contra alguém, toco por prazer, tenho prazer em tocar com quem o faça pela mesma razão.

JD/toca primeiro para si e depois para os companheiros músicos ali a tocar consigo e só depois chega ao público quando chega?

AP/ Tento tocar com sinceridade, algum sentido de risco, só assim posso esperar que o ouvinte receba a mensagem subjectiva que proponho. Quanto aos colegas de banda, toco, não para eles, mas com eles.

JD/no fim dum solo chega a saber onde não está? ou só pousa depois...

AP/ Espero perder-me e reencontrar-me tantas vezes quanto me for possível ao longo do improviso, assim sei que arrisquei. Encontro sempre esse risco nos meus favoritos, seja Herbie Hancock ou Wayne Shorter.

JD/ toca com a cabeça ou com o resto?

AP/ Enquanto improviso não penso no que fiz, reajo ao que aconteceu. Tento que seja um processo tão orgânico quanto possivel. 

JD/os sopros portugueses sopram fraco e os guitarristas soam alto dacordo?

AP/ Acho que esse complexo de volume exagerado tem resultados negativos nos guitarristas: temos a sensação de que estamos sempre baixos demais...  

JD/meus guitarristas favoritos andam naquela zona de Eddie Condon, Freddie Green, às vezes Russell Malone - nunca solos tudo para o balanço para o misterioso swing

AP/ Boas escolhas, como o seriam também Wes Montgomery, Jim Hall, Barney Kessel, Kenny Burrel, Tal Farlow, Peter Bernstein, entre tantos outros. Acho válida e felizmente inevitável a perspectiva da guitarra enquanto instrumento solista, o papel deste instrumento na história do jazz mudou e evoluiu muito. Se o registo audio do encontro de Wes com o Coltrane tivesse chegado ao mercado discográfico nos anos sessenta, talvez a mensagem "a música antes do instrumento" tivesse chegado mais cedo. 

22 jan 07

 

 


Afonso Pais
 
  Escritos e entrevistas  
 
   
Festivais  
 
   
Universidade de Aveiro
© 2006 UA | Desenvolvido por CEMED
 VEJA TAMBÉM... 
 José Duarte - Dados Biográficos