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Alípio C. Neto disse
16-09-2006 00:00
 



JD - é brasileiro há quantos anos?

ACN - Eu nasci no dia 19 de Setembro de 1968, faço 38 anos no próximo mês!

JD - porquê e quando chegou a Portugal?

ACN - Cheguei em Portugal para ficar em 1997; vim fazer um doutoramento na Universidade de Évora.

JD - porque ficou por cá?

ACN - A minha mulher é portuguesa e ela veio comigo; como vivemos juntos há uma série de implicações: ela trabalha aqui, tem família em Lisboa etc. Quanto
a mim, a minha escolha pela música deu-se definitivamente aqui em Portugal. Viver em Lisboa não me impede de viajar sempre, é um lugar central entre as Américas e o resto do mundo. Gosto de viver aqui por outras razões também, pelo clima, não há tanta violência etc. Não sei se viverei para sempre em Portugal...

JD - viveu em Évora - a fazer o quê?

ACN - Quando estive em Évora fiz muitas coisas além do meu trabalho académico
(investigação, conferências etc.). Investiguei para o Instituto Cultural de Macau. Escrevi um livro sobre a poesia chinesa antiga e suas relações com outras estéticas e a contemporaneidade. Estudei árabe (língua e literatura - teologia também) e busquei saber mais do que havia de "magrebino", africano e ibérico no Nordeste brasileiro que é a minha região de origem. Escrevi, publiquei, conheci mais sobre Portugal e Brasil. Em Évora fiz algumas amizades e toquei com músicos da terra e
outros que viviam por lá como Gregg Moore. Évora foi isso, música e literatura... é uma cidade belíssima.

JD - como e quando ficou contagiado pelo jazz?

ACN - Na minha casa havia discos de jazz (Big Bands, Crooners etc.); meu pai cantava e tocava guitarra. Cresci ouvindo música popular brasileira (na rua e em casa - frevo, forró, samba, choro etc.), compositores barrocos dos velhos discos que havia e as festas tradicionais durante o ano. O Rock'n Roll só veio mais tarde, após uma temporada na China (Taiwan-Formosa); quando fui viver em Brasília, com 16 anos, passei a conviver mais com o Blues e o Rock. Contudo, o jazz sempre me atraiu mais e quando fui para a Escola de Música de Brasília tive a sorte de encontrar o Carlos Eduardo Pimentel, o "Boogie", e junto com um grande amigo, o Alexandre Cardoso, e o meu dentista, o Cristiano Lodder (que tocava saxofone e flauta), foi possível praticar, trocar impressões, descobrir discos e talvez preparar o
que estaria por acontecer agora.

JD - que forma(s) estilo(s) jazz mais aprecia? porquê? para quê?

ACN - Gosto de tudo que de muito bom foi feito no jazz, não estabeleço limites
ou estilos para apreciar algo que considero belo. A única razão para que isto aconteça é a profunda inquietação e curiosidade que sempre tive pela vida!

JD - é um soprador um saxofonista mas usa flauta e apitos! à Roland Kirk?

ACN - O jazz não é, desde o início, por excelência, um género sinfónico (apesar
das orquestras dixieland e Big Bands e tantas outras experiências); é uma música de pequenos grupos, de homens que querem compartilhar uma linguagem, um diálogo, experiências... podemos usar qualquer instrumento para tocar jazz mas não acontece assim, por causa das escolas, dos padrões pedagógicos e por causa da falta de abertura intelectual das pessoas que têm o poder para estabelecer novos currículos. Poderíamos ter mais fagotes, oboés, violoncelos etc. nas escolas e universidades que ensinam música (já acontece nos EUA e em outros países). Em geral, não há tempo (nem talento) para podermos aprender a tocar tantos intrumentos quanto desejamos, o apetite por timbres e tessituras é infinito; se pretendemos fazer o que se chama "JAZZ" temos de encontrar novas saídas para timbrar etc. Uso os apitos e flautas por isso. Não sei o que exactamente movia o Roland Kirk; acho que havia algo de lúdico e de participativo (quando integrava o
público em sessões de improvisação), e isso também me agrada, a ideia de partilhar o ar que respiramos com os outros durante um concerto.

JD - que lhe parece a cena jazz em Portugal hoje?

ACN - Acho que é uma cena em transformação, em renovação... Falta um pouco mais de independência criativa, e também de uma maior autonomia para realizar
projectos! Falo, principalmente, a partir da minha experiência; alguns músicos com quem toco deveriam levar mais em consideração os seus respectivos talentos. Precisamos de mais gente activa, criando novos espaços de acção e de troca... Precisamos também de uma "elite" que invista mais em música; com a tradição vinícola que há neste país é inconcebível não haver festivais realizados e apoiados por este empresariado. É preciso embriagar o povo com arte também, "melhor morrer de vodka que de tédio" ou melhor morrer de arte que de tédio!?! De vodka e de futebol já se morre... Na verdade seria preciso uma verdadeira revolução na política do sistema educacional português para preparar gerações de homens verdadeiramente livres, e por isso abertos conscientemente para a vida e para os artifícios da arte. Aconselho o mesmo aos governantes e a "elite" brasileira. O que é uma "Elite"?

JD - como autoriza que chamem ao estilo do jazz que seu grupo pratica?
free? free revivalista?

ACN - Como disse antes, gosto de tudo que de muito bom que foi feito no jazz. Os
meus projectos condensam essas influências ao contrário de simplesmente imitá-las. Há bebop, free, vanguard, música contemporânea, música do século XVI, folk, baião, um pouco de tudo... autorizo que chamem "a música de Alípio Carvalho Neto" ou se for preciso usar a palavra JAZZ, "o jazz de Alípio Carvalho Neto" ou (levando em consideração os outros compositores com quem toco) "a música de Alípio C Neto, Alex Maguire, Johannes Krieger, Jean-Marc Charmier, Ricardo Freitas..."! Toco principalmente a minha música e a dos meus contemporâneos. Mingus dizia que a sua música era clássica...!!!

JD - a inevitável... jazzmen que mais aprecia e o influenciaram

ACN - São muitos, incluindo alguns que tocam comigo ainda hoje!

JD - irá ser reeditado em breve em http://www.jazzportugal.ua.pt/ um texto que
escreveu há
anos sobre Jack Kerouac - porquê especialista em Kerouac?

ACN - Acho que a vida e a arte do Jack Kerouac estreitaram a experiência entre
música, literatura e outras expressões artísticas, são um exemplo de liberdade e de busca por novos sentidos de representação. Eu busco algo parecido! Quando escrevi este ensaio sobre o Kerouac estava mergulhado na leitura do Mexico City Blues; escutava constantemente a leitura-gravação que ele fez acompanhado pelo Zoot Sims e Al Cohn. Tudo isto faz parte dos meus questionamentos académicos sobre os limites entre música e literatura (stricto sensu), a filosofia de Adorno, Walter Benjamin, e uma série de outras referências como Terry Eagleton (que não me interessa tanto quanto os outros dois) e reflexões que faço constantemente sobre o binómio vida-cultura. Porque vivemos para isso? Qual o sentido disso tudo? etc.

JD - algumas palavras sobre a beat generation.

ACN - "Woe unto those who spit on the Beat Generation, the wind'll blow it back"

JD - o que anda a ouvir em matéria de jazz e eventualmente de outras músicas?

ACN - Ouço Mingus, Dolphy, Booker Erwin, Coltrane... Ouço Herb Robertson, Ken
Filiano, Jason Kao Hwang, Torbjörn Zetterberg, Joakim Rolandson, Michael T. A. Thompson, Kidd Jordan, Adam Lane, Liberty Ellman... Ouço Armando Lôbo, Edu Lôbo, Chico Buarque, Cartola, Nelson Cavaquinho, Moisés de Araújo Alves (Paraybach)... Ouço Salvatore Sciarrino, Bernhard Lang, Helmut Lachenmann, Gérard Grisey... Ouço Emilio de Cavalieri, Gesualdo... Ouço Stavinsky, Villa-Lobos, Cláudio Santoro... Ouço Bach...
Ouço-me a mim mesmo...

JD - sua opinião sobre David Sanborn

ACN - Gosto dele com o Tim Berne, Herb Robertson...

JD - o(s) cd(s) que levaria para a tal ilha...

ACN - Mingus at Antibes...

JD - confirma que a última 'revolução' jazz se deu com Miles e o Rock?

ACN - Espero que não! Espero que outras tenham acontecido (ainda não devidament estudadas e "catalogadas" pelos críticos e historiadores do jazz) e que
muitas outras virão. Andrew Hill e Ornette Coleman ainda estão vivos e há músicos
incríveis trabalhando todos os dias... vamos ver... vamos ouvir...

JD - afinidades entre música do Brasil e jazz - antecedências africanas?

ACN - Os antecedentes africanos, os antecedentes europeus, a improvisação, o
sentido de liberdade, harmonia, contraponto etc. Estou falando de boa música!!!

JD - conhece a obra de Ben Webster?

ACN - Sim! Tenho escutado muito em casa estes dias "Ben Webster Meets Oscar
Peterson", com Ray Brown e Ed Thigpen. Talvez tenha sido minha primeira
referência no tenor. Tinha 12 ou 13 anos e fui ao dentista da minha mãe. Ele tratava minha mãe ao som de uma música que me punha em transe. Era o
Ben Webster, uma fita cassete... O Dr. Assis disse: "É Ben Webster!" Deu-me de presente a fita! Foi o meu primeiro alumbramento "websteriano"!

JD - conhece a obra de Peter Brötzmann?

ACN - Sim! Gosto do "Die Like a Dog" ( com Toshinori Kondo, William Parker,
Hamid Drake). Quando toquei no no Hot Clube com o IMI Kollektief (21 de Junho de 2006), o Peter Brötzmann estava lá nos escutando atentamente.
Falamos um pouco depois...

JD - que futuro terão no jazz os instrumentos acústicos?

ACN - Não creio no futuro. O que fazemos no presente com os instrumentos acústicos prova que são insubistitíveis!

JD - o swing numa peça jazz contemporânea é essencial?

ACN - Acredito que o swing é essencial numa peça de jazz contemporânea se o
compositor ou o improvisador (a peça pode ser improvisada) assim o determinar! É preciso ampliar o conceito de swing. Negar o swing é criar uma nova dialética para o swing...

Setembro 2006

José Duarte


 
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