José Duarte - vem de Setúbal onde nasceu sua musicalidade ou de seus pais e estudos? Sofia Vitória -Na minha família não existe um único músico, mas sei que o meu pai cantava muito bem quando era novo. Ele era um ser bastante artístico e curioso, um autodidata: gostava muito de ouvir música, pintar, escrever e aprender novas línguas (como alemão ou russo), e estas coisas que eu apreendia à minha volta hão-de ter tido a sua influência. Desde muito cedo comecei a exprimir-me musicalmente, e foi isso que levou os meus pais a encaminhar-me aos seis anos para o coral infantil e aos sete para o conservatório, onde estudei piano. JD - e o jazz quando surgiu em sua vida? SV - Bem cedo, através dos discos do meu pai, onde o jazz existia na mesma proporção que todas as outras músicas que suscitavam o seu interesse. Nas minhas memórias de infância, a música surge sempre misturada: Ella Fitzgerald, Led Zeppelin, Amália, John Lee Hooker, Chico Buarque, Joy Division, Cesária Évora, Louis Armstron, Édith Piaf, Cannonball Adderley, José Afonso, Miles Davis... Canto jazz a primeira vez com 22 anos, no sexteto de jazz e também na Big Band de Setúbal. JD - tem estudos jazz? de voz? de História Jazz? SV - Actualmente estudo voz jazz na ESML. JD - qual é sua profissão? porquê? SV - A música. Mais do que uma escolha profissional, é uma opção de estar onde me sinto mais próxima de mim própria. JD - tem cantado onde? clubes salas estrangeiro? SV - Tenho tido a oportunidade de tocar com músicos extraordinários em muitos tipos de salas e em vários países, com condições mínimas e em condições muito boas. Em Portugal cantei um pouco por todo o país, desde as salas mais pequenas às salas maiores. Outros países onde tenho tocado são o Brasil, Espanha, Holanda, Itália, Macau, Pais de Gales, Turquia. A imprevisibilidade do caminho que a música nos oferece é exactamente igual à imprevisibilidade da vida, e é isso que é fascinante. JD - voz feminina jazz que a mais impressiona? SV - Impressionam-me todas as vozes que carregam uma carga emocional densa e complexa e que denotam uma verdadeira experiência de si. Vozes que jamais morrerão, que continuarão a contar histórias marcantes muito após o seu desaparecimento. Creio que é isso que me toca quando ouço Bessie Smith, Ella Fizgerald, Billie Holiday ou Sarah Vaughan. JD - e Amy Winehouse? ou Zaz? opiniões SV - Extremamente talentosas. JD - tem evoluído sua expressão e técnica? como? SV - Hoje tenho uma maior consciência do que faço e como, mas não considero que isso seja sinónimo de evolução. Para mim expressão e técnica estão completamente interligadas e são indissociáveis do que somos, do nosso caminho, e das nossas próprias opções estéticas, porque as possibilidades são ilimitadas. Falar em evolução de ambas será falar da nossa própria evolução, isto é, de nos permitirmos a escutarmo-nos e a perdermo-nos as vezes que forem necessárias até um possível e desejado encontro com algo em que nos reconheçamos verdadeiramente. JD - e scat utiliza? sabe? é capaz? SV - Quero desenvolver, embora até agora tenha priorizado outros aspectos na música. JD - aceita que a chamem cantora jazz? porquê? SV - O jazz, em toda a sua amplitude, é a linguagem musical que mais me diz: sê absolutamente livre. E eu procuro, cada vez mais, essa absoluta liberdade. JD - ouve fado? já ouviu Gisela João? opiniões SV - Há no fado uma força muito grande, que vem da procura da maior conexão possível com a palavra, e eu sou muito sensível a essa procura. Gosto muito da Gisela João, assim como de vários novas (e menos novas) vozes do fado. JD -quantos CDs já publicou? que repertório é o seu? português brasileiro norte-americano? SV - Editei em 2012, em parceria com o pianista Luís Figueiredo, o meu primeiro CD: "Palavra de Mulher" (Numérica). Um disco composto exclusivamente por músicas de Chico Buarque, onde o fio condutor é a figura feminina - as suas várias personagens e as suas diferentes histórias. Os arranjos são do Luís e nele participam: João Moreira (trompete e flugelhorn), Guto Lucena (clarinete baixo), Mário Franco (contrabaixo), Joel Silva (bateria), Ricardo Toscano (sax alto), César Cardoso (sax tenor) e Luís Cunha (trombone) - um privilégio. É cantado em português do Brasil, pois pretendemos preservar a genialidade dos jogos de palavras que estas canções contêm, e também porque a sua musicalidade e o universo que carregam dentro de si é muito específico e riquíssimo. Muito do prazer que obtenho com a música vem da exploração e da interpretação dos universos das canções, assim como da plasticidade que cada língua oferece. JD - conhece o cantar de Helen Merrill de Cecile McLorin Salvant de Gambarini de Kurt Elling? opiniões SV - Todos excelentes. JD - já cantou para dançarem? para quê? SV - Sempre. Música é movimento. JD - cantar dá-lhe para viver? SV - No que considero ser a verdadeira acepção do termo "viver", sim. "A gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade". JD - sua formação preferida? em duo trio com sopro? SV - Não tenho, porque se é verdade que acontecem coisas diferentes consoante a formação, também é verdade que acontecem coisas muito diferentes consoante os músicos que a compõem, se estamos mais ou menos presentes nesse dia, ou uma série de outros factores - o que altera por completo a experiência. O que acontece musicalmente é sempre fruto de um colectivo. JD - compõe? escreve prosas ou letras? gosta de cantar baladas ou standards n-a ou standards jazz? SV - Gosto muito de escrever. Gravada está apenas uma canção com letra minha, no disco "Luís Figueiredo - Lado B" (Sintoma Records). Recentemente publiquei também um pequeno livro: "Dos dias - Um breve conto". Compor, creio que acabará por acontecer. JD - como acha o público jazz português e o mini mundo jazz neste seu país? SV - Parte é constituído também por músicos de jazz, e outra parte por pessoas que, à semelhança dos próprios músicos de jazz, são curiosas e se disponibilizam realmente para se entregar à descoberta e à experiência do novo. Porque é preciso abertura, paciência e generosidade para uma escuta atenta, profunda e genuína. JD - tem tido apoio mediático? porquê? SV - Tenho tido, sim, a felicidade de partilhar música com músicos verdadeiramente excepcionais, a quem estou grata, que me têm vindo a transmitir não apenas conhecimento, como - nalguns casos - uma enorme sabedoria. O silêncio tem apoio mediático? JD - obrigado Sofia Vitória SV - Obrigada, José Duarte. joseduarte@ua.pt em 18 jul 2013 às 22hoo |