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Rui Teixeira
07-07-2004 00:00
 
porque escolhe um saxofonista tocar em tenor certo tema em detrimento de um soprano? apenas questão de sonoridade? Essa é uma questão que para mim será sempre difícil responder pois o soprano não faz parte das minhas escolhas saxofonisticas. De qualquer forma, penso que a escolha de determinado instrumento tem muito a ver com o registo que cada saxofonista tem dentro de si. Embora haja saxofonistas que tocam os 4 instrumentos fluentemente e outros apenas se fiquem por um a vida toda, acho que cada músico tem o seu instrumento principal, aquele em que aprendeu, aquele em que fez as maiores e mais importantes descobertas de som e de fraseado e isso vai-se notar sempre independentemente do instrumento que usam. No meu caso, o meu instrumento principal é e será sempre o alto pois foi o meu primeiro e tem sido aquele a que eu tenho dedicado mais tempo, mas por outro lado, não posso negar que o tenor me fascina bastante e que, por acaso, ou não, toda a minha vida ouvi mais tenores do que altos. Neste momento posso até dizer que toco tanto ou mais tenor que alto. Para tentar responder melhor à questão posso dizer que quando tenho oportunidade de escolher o alto, tenor ou barítono para determinada música, essa escolha assenta essencialmente no som que eu tenho na cabeça para determinada melodia, embora eu tente restringir essa escolha, pois é bastante difícil num mesmo concerto tocar alto e no tema a seguir passar para o tenor. Mas ás vezes as circunstâncias profissionais obrigam a isso e não há nada como ser versátil nos tempos que correm. considera sua sonoridade e discursos a solo influenciado por alguém? quem? Sim, considero que sou influenciado por todos os músicos que ouvi até hoje pois o contrário seria a meu ver impossível. De uma forma assumida, considero-me influenciado primeiro por Charlie Parker (mas, afinal, não somos todos?) Passando à frente a influência óbvia e obrigatória de Bird, posso citar alguns dos saxofonistas que eu mais tenho ouvido e estudado, sendo no alto Paul Desmond, Lee Konitz, Art Pepper e músicos mais recentes como Perico Sambeat , o ainda muito jovem mas genial Kris Bauman (que Nuno Ferreira nos deu a conhecer no seu excelente trabalho “Long Distance Calls”)... nos tenores, Coltrane, Dexter, Rollins, Stan Getz, Sonny Stitt e o meu preferido Warne Marsh. Uma grande referência para mim é também Gerry Mulligan. Dos tenores modernos destaco Mark Turner e Chris Cheek que eu considero absolutamente geniais. Curiosamente, os anos vão passando e eu dou por mim a ouvir e a copiar antiguidades como Lester Young e Coleman Hawkins, começo a perceber a verdadeira importância desses senhores. Se tivesse de restringir esta lista a três nomes escolheria sem dúvida nenhuma Warne Marsh, Lee Konitz e Gerry Mulligan, mas o universo musical é uma coisa tão vasta e fascinante que estas opções não poderiam nunca ficar fechadas e intocáveis. que época de Coltrane prefere: a com o 5teto de Miles ou a um quarteto? porquê? Penso que as duas épocas têm coisas fascinantes e geniais e uma não faz sentido sem a outra... embora considere que no quarteto há certas coisas que não me agradem tanto especialmente as finais, onde a experimentação atingiu níveis elevadíssimos, gostaria de ter ouvido o Coltrane após esse caos de que falo, mas isso acho que todos gostaríamos mas não podemos fazer nada para o obter. Assim, no quarteto há algumas coisas que não gosto tanto e no quinteto de Miles decididamente gosto de tudo, por isso arrisco a dizer que prefiro a época de Miles embora alguns dos meus discos preferidos de Coltrane sejam em quarteto. qual o melhor solo de alto que conhece? porquê? Ora aí está outra questão difícil! Acho que não consigo restringir isso a um solo, assim, todos os solos de Paul Desmond no disco “Two of a Mind” com Gerry Mulligan, e muitos outros que não teria espaço para descrever aqui. há quantos anos toca jazz? notou já diferenças no mundo jazz português? quais? Comecei a estudar saxofone há 15 anos atrás e posso dizer com toda a certeza que muitas diferenças aconteceram desde então. Iniciei a minha travessia na escola de jazz do Porto que era na altura um excelente ponto de encontro de músicos não só do Porto mas também de outros pontos do país e ocasionalmente de outros locais do planeta. Não posso esquecer alguns músicos uruguaios, espanhóis, ingleses e brasileiros que por cá paravam. Gostava de salientar também o importante papel que António Pinho Vargas desempenhou na altura, pois para mim foi o primeiro músico português a pôr a sua música ao alcance de todos e a fazer o mais leigo e céptico ouvinte relacionar algo que ouvia na rádio e cantarolava com a estética Jazz. É curioso notar, e sem qualquer desprestigio para os músicos dessa altura que o jazz evoluiu muito nesses 15 anos. Muita gente se aventurou para fora de Portugal e todos eles também contribuíram para a inevitável evolução que esta música teve. A muitos deles foi dada a oportunidade de conviverem musicalmente com músicos de um nível muito superior ao que existia aqui, isso e muito trabalho e empenho, fez com que o seu nível se equipara-se e assim aqueles que regressaram provocaram uma saudável e imprescindível subida de “fasquia”. Assim, hoje em dia temos grandes músicos portugueses a partilharem palcos e estúdios de gravação com os maiores “jazzmen” da actualidade, e só é pena que a maior parte deles não tenha a meu ver o reconhecimento devido. Outro aspecto que considero importante salientar é o de cada vez menos existir feedback ao nosso trabalho na imprensa. É raro nos dias que correm ler sobre jazz nos nossos jornais, e quando isso acontece, está quase sempre ligado a um dos muitos festivais que pululam por esse país fora e que na maior parte das vezes esquecem os músicos portugueses em detrimento de escolhas de grupos estrangeiros em muitos casos de qualidade duvidosa, mas, infelizmente os gostos não se discutem. A propósito, e para não dizerem que sou faccioso, acho lamentável que um dos grandes músicos de jazz da actualidade e certamente um dos que vai ficar para a história, falo de Mark Turner, tenha tocado três noites consecutivas no Hot Clube com uma secção rítmica de luxo (Aaron Goldberg , Omer Avital e Ali Jackson) e tanto quanto eu sei(posso perfeitamente estar enganado) não me apercebi de uma única gota de tinta derramada sobre esses três dias de magia e de jazz na sua mais pura e genuína essência, parafraseando alguém “ Aquilo teve muito swing!” Corrija-me o ilustre entrevistador se eu estiver enganado :) Para finalizar, não posso esquecer aquele que para mim é um ponto de viragem no jazz português, que foi a abertura do primeiro curso superior de jazz em Portugal na Escola Superior de Musica do Porto em 2001, que permitiu uma saída de aprendizagem para todos aqueles que não podem usufruir dessa experiência fora do país e que provocou um grande abanão no meio jazzístico do Porto que se encontrava na minha opinião um pouco adormecido. Assim, hoje em dia pode-se falar num meio jazzístico de certa forma organizado e as provas começam a ser dadas com as excelentes prestações dos rapazes nos palcos nacionais e internacionais. Aveiro também possui duas disciplinas de jazz integradas num curso superior de música, tanto quanto eu sei, a cargo do ilustre entrevistador e também isso é uma prova de que esta música está a crescer. Assim, e em jeito de conclusão, penso que os músicos estão a fazer bem o seu trabalho de casa e a evoluir pelo melhor caminho. É preciso então que mais gente nos acompanhe, gente que nos queira ouvir nos seus festivais, falar de nós nos seus jornais e perpetuar o nosso trabalho através das suas editoras. De qualquer forma, nós não esperámos por ninguém, quem quiser que nos acompanhe pois isto de tocar jazz não é, nunca foi e nunca será fácil. quantos saxofones tem e usa? o que é um saxofone para um saxofonista? Neste momento tenho três saxofones, um alto um tenor e um barítono. Embora em determinada altura tenha usado quase exclusivamente o alto, ficando assim conotado como um altista, neste momento faço igual uso dos três instrumentos. De qualquer forma, na Orquestra de Jazz de Matosinhos uso apenas o alto, na Orquestra de Jazz da ESMAE toco barítono e no meu quinteto de homenagem a Lennie Tristano uso exclusivamente o tenor. Esta troca de registos nem sempre é pacifica mas a escolha é minha, por isso não me posso queixar. Um saxofone para mim é um instrumento de trabalho que eu espero que esteja a responder sempre da melhor maneira ás minhas exigências e paralelamente ás exigências da música, não posso de qualquer forma ocultar o facto de adorar o saxofone como objecto e de ter uma certa obsessão por instrumentos antigos, aqueles em que os mestres tocavam e que soam (não me perguntem porquê) muito melhor que os novos. Neste momento, as meninas dos meus olhos são o alto Selmer Mark VI de 1971 e o meu tenor Selmer Balanced Action dos anos trinta que canta como ninguém, sem desprezo para o meu novíssimo e eficiente barítono Selmer que ainda precisa de uns anitos e muita estudo em cima para vir a soar como os seus velhinhos companheiros. que pensa do naipe de saxofones na Orquestra Jazz de Matosinhos? e da Orquestra em si mesma? O naipe de saxofones da OJM foi aquele que ao longo dos anos sofreu menos alterações, tendo no seu seio três músicos da fundação da orquestra, Mário Santos, José Luís Rego e eu próprio. O barítono Mário Brito também já nos acompanha quase desde o principio e neste último ano tivemos o privilegio de poder contar entre nós com o muito jovem mas excelente e promissor saxofonista tenor Zé Pedro. Assim, e sem desprestigio para com os que por lá passaram anteriormente (destacando a também excelente Fernanda Alves que nos acompanhou nos últimos anos) penso que o naipe tem com esta formação oportunidade para ir mais longe, pois é formado na sua maioria por músicos exclusivamente de jazz, que conhecem e estudam a linguagem e a sonoridade. Em relação ao resto da orquestra, penso que esta sofre do mesmo mal que sofrem todas as orquestras de jazz em Portugal, ou seja, a falta de metais de raiz jazzística. E sobretudo, a falta de um primeiro trompete “screamer” que ficou acentuada com a saída de Hugo Alves. Embora tenhamos tido ocasionalmente a oportunidade de ter entre nós o fabuloso lead trumpet francês Eric Poiriet, nomeadamente no concerto com Carla Bley na Casa da Música e recentemente com Mark Turner no Rivoli ( pois é... aconteceu mesmo... e ninguém ouviu falar) é uma pena que não se possa contar com músicos desses para trabalhar regularmente, pois o primeiro trompete é verdadeiramente o lugar mais importante e mobilizador de uma big band. É um trabalho muito específico, pois normalmente tocam num registo muito agudo do instrumento e ritmicamente têm de ser muito seguros e determinados, a sua função, mais do que fazer solos é conduzir a orquestra. Penso que em Portugal o nível dos metais tem forçosamente de subir e igualar por exemplo os saxofones que na minha opinião deram um grande salto nos últimos anos, há cada vez mais e melhores saxofonistas, faltam trompetes e trombones. Como nota final sobre a orquestra gostava de salientar as composições de Pedro Guedes e de Carlos Azevedo que são exclusivamente o repertório da orquestra, assim, a OJM é um grupo que ensaia regularmente, toca o mais regularmente possível e faz unicamente neste momento música original feita em Portugal por dois grandes compositores portugueses. qual será o futuro dos saxofones como instrumentos jazz? continuarão a ser um dos instrumentos mais emblemáticos neste tipo de Música? Realmente o saxofone é um dos instrumentos mais emblemáticos desta música. O instrumento cresceu com o jazz, é tão recente quanto a sua história e já lá vão mais de cem anos. Embora nos primórdios do jazz ele não estivesse presente, era mais utilizado o clarinete, ao longo dos anos o instrumento cresceu através do jazz e fez o jazz crescer através dele. Penso que enquanto continuarem a existir músicos como Lester Young, Charlie Parker e John Coltrane a mudar o curso da música com os seus saxofones, ele, saxofone, vai continuar a ser o instrumento mais emblemático. Estas são as boas razões, as más serão o excessivo uso da imagem do instrumento para caracterizar esta música e este estilo de vida sendo as mais escandalosas aquelas fotografias publicitárias com modelos de ar forçadamente rebelde a empunhar um saxofone na maior parte das vezes sem palheta, ou com a boquilha ao contrário. Senhores publicitários, informem-se, não queiram continuar a ser ignorantes, já chegam os políticos. consegue distinguir um músico negro de um músico branco quando em solo e pelas suas respectivas sonoridades? claro que distinguir Stan Getz de James Carter é fácil mas refiro-me a saxistas desconhecidos Na actualidade julgo ser difícil fazer essa distinção, pois hoje em dia o acesso à informação e os percursos de aprendizagem estão ao alcance de todos. O músico negro já não aprende exclusivamente com os outros músicos negros e o branco já não está só confinado ao seu conservatório a cheirar a mofo. Ao longo da história, os grandes músicos negros misturam-se com os grandes músicos brancos e hoje em dia temos músicos muito jovens com um conhecimento muito grande da linguagem, venha ela de Coltrane ou de Warne Marsh. Claro que distinguir Stan Getz de James Carter é fácil, mas a meu ver mais pela diferença da sua linguagem do que pela cor da sua pele. Para mim Stan Getz é mais preto que muitos pretos que se ouvem por aí. E como distinguir um John Ellis de um Joshua Redman? Ou um Mark Turner de um Warne Marsh? Claro que eles são diferentes, e ainda bem, mas, qual deles soa mais negro ou qual deles soa mais branco? vive só com os euros que ganha com o jazz? Infelizmente não. Ainda não é possível para mim ter o número suficiente de concertos que me permitam viver só do jazz. De qualquer forma, como complemento, dou aulas de saxofone na escola de jazz do Porto e conto com alguns alunos particulares. Outra forma de subsistência são os “gigs” em casamentos e restaurantes que me permitem além de tocar jazz ganhar uns bons euros. Concluindo, retiro o não com que comecei e digo, sim, vivo só com os euros da música. para quando um CD em seu nome? Não sei, e sinceramente não estou ainda muito preocupado com isso. Mais importante do que ter um cd em meu nome é ter um cd com algo que ache que vale mesmo a pena editar. Isso irá acontecer quando eu sentir que algo que compus tem de ser gravado e essa necessidade ainda não a tive. Gostava também de poder fazer um disco de standards mas essa para mim é uma tarefa de enorme responsabilidade, pois é difícil acrescentar algo que valha a pena a todos os discos de standards que conhecemos. Assim, continuo a procurar, a estudar, a compor e a melhorar como instrumentista e numa perspectiva mais “zen” da coisa... irá acontecer quando tiver de ser, quando sentir fortemente esse impulso. se fosse convidado a escolher um Quarteto de Saxofones quem seriam os outros 3 saxofonistas portugueses que escolheria? e se tratasse de 3 estrangeiros? Para o quarteto português escolheria sem dúvida nenhuma José Luís Rego, Mário Santos e Zé Pedro. Com músicos estrangeiros e suponho que só valem os vivos, escolheria Mark Turner no tenor, Brandford Marsalis no soprano e Myron Walden no alto, eu tocaria barítono e ia ter que suar muito para acompanhar estes três monstros.

José Duarte
 
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