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de Sara Miguel e José Duarte em conversa até Sara a Zé
23-04-2013 00:00
 

José Duarte - só com agora 26 perfeitos desde quando canta e com que Música começou?

Sara Miguel - Segundo os meus pais, canto desde bem pequenina Costumava cantar muito, canções inventadas, de criança, e animava a casa inteira. Depois comecei a tocar piano no colégio aos 6 anos e no canto iniciei-me no grupo de jovens da igreja e nas bandas de garagem. Lembro-me de cantar bastante em adolescente também, todas as festas da escola básica eram motivos para eu  e as minhas amigas dançarmos e cantarmos as músicas dos filmes e era comum eu cantar a voz principal (a banda sonora do filme Hércules da Disney era um hit nosso). Aos 16 comecei a ter aulas de canto lírico e aos 19 de canto jazz.

JD - e como tem sido sua vida musical? tem prática de cantar em público? onde?

SM - Considero que a minha vida musical mais séria e profissional ainda é muito curta, começou com o jazz... Comecei a aprender jazz em 2007 anos no Curso Livre da ESMAE  e entrei lá na licenciatura em 2008. Nessa altura, no âmbito do jazz, ainda só tinha tocado meia dúzia de vezes em duo no Café Progresso no Porto. Durante o curso fiz alguns gigs, no contexto da faculdade uns, e outros fora, e em 2011 quando acabei é que comecei a tocar mais frequentemente. Já passei por alguns palcos no Porto e arredores, o Tribeca, o Hotfive, o Breyner85, o Auditório José Duarte (EJAN), o antigo BFlat, o clube 3C, o Clube Literário, o Teatro Helena Sá e Costa, FNACs, o Conservatório de Famalicão e o palco principal do Serralves em Festa. Espero alargar a minha experiência de palco nos próximos tempos.

JD - vê vantagens no jazz? quais?

SM - Penso que o jazz é um caminho, uma linguagem que nos universaliza dentro da música Sei hoje que foi o lugar ideal para começar o meu percurso, independentemente do que queira trabalhar no futuro a nível de linguagem ou estilo. No jazz, os músicos são (idealmente) ensinados ou ensinam-se a pensar na música e não apenas a memorizá-la, a criar alternativas, a explorar caminhos, a descobrir a sua voz musical própria, a ser criativos e interventivos no que fazem. Para mim, isso deveria ser uma aprendizagem basilar para qualquer músico: não são apenas a técnica e a memorização que criam um músico completo, mas mais a forma como o músico escolhe usar esses recursos técnicos, e os usa para criar a sua voz. E ao ser tão inclusivo, o jazz leva-nos a conhecer e aceitar tantas influências quantas queiramos conhecer e aceitar. Isso é muito enriquecedor.

JD - estudou canto? onde?

SM - Estudei canto lírico na Escola Pedro Fesch e também a nível particular com a soprano Mónica Pais. Depois estudei canto jazz na ESMAE, no curso livre e na licenciatura em jazz. A Sofia Ribeiro, que foi uma das minhas professoras, foi e é ainda hoje uma das grandes referências e inspirações para mim.

JD - qual seu repertório? seu reportório tem Música de Portugal?

SM - O nosso repertório compõe-se de standards de jazz e alguns temas pop/rock aos quais damos reviravoltas e roupagens muito nossas, e também de alguns temas originais dos membros do quarteto. O que mais gostamos de fazer é exactamente dar essas reviravoltas aos temas de outras pessoas, surpreender-nos com o quão nossos podemos torná-los.  Ainda não explorámos a música portuguesa, talvez seja uma próxima passagem...

JD - canta blues? por e para quê?

SM - De vez em quando incluo temas de blues no meu repertório, e é muito possível que no futuro me dê vontade de cantar mais blues num projecto mais específico. Acho que o blues é a expressão original da vivência de um povo, mas que pode ser extrapolada facilmente para qualquer um, porque o sentir humano é comum. É muito fácil deixarmo-nos invadir por aquela honestidade e profundidade em forma de música... Gosto muito disso, e só posso apreciar um estilo que nos aproxima da nossa humanidade.

JD - compõe? é letrista?

SM - Fui desde sempre muito mais letrista do que compositora, penso que isso advém também de ter escrito muita poesia na adolescência... Nas bandas de garagem que integrei na altura, o mais comum era os rapazes comporem e eu escrever as letras, a maior parte das vezes em Inglês. Sempre foi uma língua muito confortável para mim e naquela altura os nossos sonhos faziam-nos acreditar que o inglês era a língua mais universal para nos levar ao sucesso Mesmo hoje em dia, prefiro escrever do que compor - a minha paixão na música é a mensagem, a mensagem concreta das palavras enrolada numa envolvente melódica... Também por isso gosto muito mais de cantar temas com letra, com uma mensagem concreta, acessível a todos.

JD - quais suas vozes preferidas no jazz e na MPB?

SM - A minha grande referência no Jazz é, sem dúvida, a Ella Fitzgerald. Era um verdadeiro músico Tinha uma energia, uma força anímica, uma capacidade criativa, uma afinação, uma competência rítmica e uma noção de como chegar ao público que será muito difícil de igualar algum dia A Ella era feita de música da cabeça aos pés, e é uma inspiração para mim. Gosto muito de ouvir as outras divas naturalmente, a Billie, a Carmen, a Sarah, a Nina... As cantoras clássicas são grandes referências para mim. Na secção masculina, o Chet Baker e o Nat King Cole são as minhas paixões Na Bossa e MPB, admiro muito a família Gilberto (João, Astrud e Bebel), a Maria Rita, a incontornável Elis Regina, o Tom Jobim, o Chico Buarque, e, mais recentes, o Lenine, a Adriana Calcanhoto, o Marcelo Camelo e a Mallu Magalhães, entre outros. A música brasileira é como estar em casa para mim, identifico-me totalmente com as suas ambiências e com o português dançado dos nossos irmãos. Tanto é que o meu tema Monção me surgiu na imaginação já em português do Brasil...

JD - como nasceu a ideia do seu primeiro compacto ‘Monção'?

SM - A ideia nasceu muito de repente, dada pelo Filipe Monteiro. O Filipe e eu tocamos juntos desde que entrámos na ESMAE em 2008, e sempre nos acompanhámos muito a nível de percurso, o que nos torna muito cúmplices no nosso trabalho. Um dia ele sugeriu, quase de chofre, que devíamos gravar um disco para marcar o que estávamos a fazer musicalmente no nosso quarteto, e para nos levar, talvez, para um outro nível a nível profissional. Eu considerei a ideia ridícula na altura, achava que não estávamos preparados. Hoje em dia penso que fiz bem em aceitar, por fim, porque o "estar preparado" é muito relativo - a vida é uma evolução (e, em princípio, uma melhoria) constante, por isso não faz sentido estar à espera do momento perfeito que pode nunca chegar... Faz sentido sim ir deixando as marcas do percurso, que é o que este disco é.

JD - Monção vila ou Monção vento? porquê?

SM - Monção vento. É o nome do único original meu do disco, cuja letra justifica o título. E quando o Ricardo Pinto sugeriu que esse fosse também o nome do disco, num brainstorming que fizemos, eu fiquei a pensar e concluí que fazia todo o sentido - uma monção é uma estação característica do Oriente que traz normalmente chuvas e é breve na sua passagem, quase como um movimento de transição; para mim este disco representa isso mesmo, um movimento, a expressão de um momento em que estavam a acontecer determinadas coisas musicalmente e que nós quisemos eternizar. Se não for mais nada, terá sido o quadro de algo que criámos num determinado momento da nossa vida musical.

JD - instrumentistas que a acompanham quem são? porque os convidou?

SM - A secção rítmica base do disco é composta pelo Filipe Monteiro na bateria, o Sérgio Tavares no contrabaixo e o Ricardo Pinto no piano. São músicos que eu conheci na ESMAE e com quem me identifiquei, ou pela sua personalidade, ou pela sua abertura, ou pelo seu estilo pessoal. O Filipe foi o meu companheiro mais próximo desde o início do curso e, dentro das nossas divergências ideológicas, somos sempre capazes de convergir em muitos aspectos e sentimo-nos muito confortáveis a tocar juntos. Além disso, é sem dúvida o baterista mais versátil e sensível com quem já toquei e, arrisco-me a dizer, uma das melhores promessas para o futuro da música em Portugal. O Sérgio é extremamente criativo e tem uma mente muito aberta, o que o põe em comunicação e evolução constante entre estilos e ideias. Transmite muita segurança e tem um som lindíssimo. O Ricardo é um furacão de emotividade e criação musical, e a sua perícia técnica e facilidade melódica e improvisativa fascinaram-me. O melhor de tudo foi que conseguimos juntar todas estas idiossincrasias num som comum que resultou muito uno. O Gonçalo Moreira (pianista) e o Igor C. Silva (compositor e guitarrista) foram dois músicos que eu quis convidar por serem meus amigos e por querer também o seu contributo musical inestimável no meu primeiro disco. O Gonçalo é um dos meus pianistas favoritos pelo muito coração que põe na música que faz. Por isso lhe pedi que musicasse um poema meu e o resultado foi o tema Praia, que também executou no disco. O Igor foi o meu companheiro no início, começamos a estudar e a tocar jazz juntos. Depois ele foi estudar composição na ESMAE, e então achei que fazia sentido criar uma aventura mais arrojada com guitarra eléctrica e electrónica para fechar o disco, uma espécie de provocação final

JD - há lugar para a improvisação em sua Música e canções?

SM - A improvisação tem um lugar central na nossa música e, especialmente no nosso disco. Cada instrumentista teve toda a liberdade para ser o mais criativo possível, na tentativa de nos levarmos uns aos outros a lugares novos. O tema I get along without you very well, por exemplo, foi gravado  com liberdade absoluta - a única base fixa era a letra do tema, mas melodicamente, ritmicamente, harmonicamente, tudo foi deixado em branco, sujeito à criação grupal do momento. Penso que esta é uma forma muito rica e surpreendente de trabalhar e, na verdade, este é o meu tema preferido do disco - dentro do completo livre arbítrio individual, conseguimos uma unidade belíssima e comovente

JD - porque escolheu ‘Numérica' para estúdio gravação e editora?

SM - O Filipe tinha já gravado um disco com a Numérica, portanto o contacto ficou mais directo. O Fernando Rocha e a editora interessaram-se pelo projecto logo desde o início e acreditaram e apoiaram incondicionalmente.

JD -já ensina Música e desde quando e onde?

SM - Comecei a dar aulas de canto em 2009 na Escola Jazz ao Norte no Porto. Entretanto passei também pela escola do extinto Clube Literário do Porto e neste momento dou aulas na escola Riff em Aveiro. A experiência de docente fez-me crescer bastante enquanto cantora - talvez mais até do que aminha experiência como aluna - e, ensinando os outros, aprendi muito sobre os meus próprios handicaps e sobre novas maneiras de os melhorar.

JD - quais os instrumentistas de outras músicas que não jazz destaca?

SM - Sou uma apreciadora de música, no geral. Gosto demasiado dela para me limitar a ouvir ou cantar um só estilo Sempre ouvi muita música de várias origens, e  acho que não me vou "ajuramentar" a nenhum estilo em nenhuma altura da minha vida... A minha banda rock de referência são os U2. Gosto imenso de Bossa e MPB, gosto muito de Soul, R&B e pop também, sou uma rapariga que anda sempre a saltar de rádio em rádio nas minhas viagens. Quando estou em casa, Sade, Jill Scott, Erykah Badu, Kings of Convenience, Florence & The Machine, Feist, Jessie Ware são alguns dos artistas que andam nas minhas playlists neste momento.

JD -  seu compacto ‘Monção' é compacto jazz?

SM - Penso que pode ser "etiquetado" como jazz, mas as etiquetas funcionam mais para tornar mais prático o trabalho das editoras e das lojas de música. Há grupos, discos e temas que são difíceis de etiquetar. O nosso disco foi sobretudo inspirado pela liberdade improvisativa do jazz, e "soa" a jazz na escolha de instrumentos e no tipo de tratamento sonoro. Mas todos nós que o fizemos pusemos influências pessoais na nossa forma de tocar, influências de outros estilos, como a MPB, o rock, a música erudita... Penso que é um disco de música improvisada, que recorre a temas do cancioneiro jazz para servirem de base a uma exploração musical que ultrapassa um pouco o limite dos estilos...

JD - conhece a discografia de Julie London e de Blossom Dearie?

SM - Blossom Dearie é a ainda praticamente desconhecida para mim, mas gosto imenso da Julie London. Dentro da simplicidade da sua linguagem, tinha um poder vocal e uma classe sem igual - consegue intrometer-se nas nossas emoções mais profundas e induzir-nos um estado de relaxamento "laid back" muito interessante

JD - aprecia as diferentes vozes de Maria João?

SM - Aprecio muito a genialidade da Maria João É raro e são precisas muitas gerações para surgir um músico assim, como ela, como o Bobby McFerrin ou como o Kurt Elling - um músico cuja voz seja o caminho natural para tudo, que brote por todos os poros e seja o corpo todo. É maravilhoso o que a Maria João traz à música com a sua unicidade, e deve ser poderoso ter um instrumento assim.

JD - conhece fado?

SM - Conheço sim, e, não desfazendo o pioneirismo e genialidade de Amália, identifico-me muito com esta nova geração do fado que o mistura sem preconceitos com as influências modernas do mundo. A Ana Moura, a Mariza e o António Zambujo são dos meus músicos favoritos da actualidade.

JD - a menina dança?

SM - Danço o mais que posso Quando não danço com o corpo, danço com a mente, ou com os olhos, ou com os sonhos. A vida corre bem melhor se nos guiarmos pelo seu pulsar natural, pelo ritmo intrínseco que nos corre das veias desde há milénios... E como música é ritmo, e dança é música e ritmo, eu danço

JD - muito obrigado lhe ficamos Sara Miguel bom futuro e para bens para si e seus companheiros

Lapa,  Lisboa 15 janeiro 2013

joseduarte@ua.pt


 
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