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Fernando Girão
07-08-2012 00:00
 

José Duarte - para investigar sua Música é necessário saber sua árvore genealógica?

Fernando Girão - aceito a pergunta como parte de dar a entender quem sou e porque faço a música que (agora) faço. É claro que ser filho de um dos grandes guitarristas (guitarra Portuguesa), Fernando de Freitas (primeiro compositor de Amália Rodrigues e seu director artístico quando ela grava o seu primeiro disco) e da maravilhosa cantora que foi a minha mãe, Maria Girão, ter nascido e sido criado no Brasil até aos 16 anos, assim como ter  convivido com dezenas de músicos da nata Brasileira em minha própria casa com os serões organizados pelos meus pais, com certeza, tudo me fez "encontrar" os caminhos que me fazem o artista de hoje...

JD - África está assim presente na sua Cultura mas tem influência da Cultura musical portuguesa no seu passado e presente?

FG -Quanto a África, ao viver lá durante 3 anos e "beber" avidamente tudo que escutei e escuto, a sua música tornou-se uma das mães do meu som. Resumindo: Portugal e África fazem parte de mim de forma total.´

JD - e do jazz? pf fale de seus conhecimentos jazz e de jazz na forma musical que         criou

FG - eu comecei a ouvir Jazz desde muito cedo, pois como já disse, cresci no Brasil, País que por consequência da bossa nova sempre foi muito "jazzístico", ouvi e devorei os discos de Charlie Parker, Coltrane, Thelonious Monk, Joe Zawinul, Miles, Chick Corea dos primórdios, Herbie Hancock, Ernie Watts, Nat King Cole na sua fase dos trios, Harvey Mason, com quem tive o prazer de tocar na mesma formação, e óbviamente os grandes cantores e cantoras desde Billie Holiday, Nina Simone, Betty Carter, Carmen McRae, Dianne Reeves, Lena Horne, Ella, Sarah Vaughan, Mel Torme, Nat King Cole, Tony Bennett, Mark Murphy e tantos, tantos outros. Quanto ao que desenvolvi e tento desenvolver com o meu trabalho pessoal, são aventuras saídas de todas as selvas musicais que penetrei. É a ansia de ser eu mesmo, pois cansei-me desde muito cedo, de ouvir os improvisadores de "carteirinha" e diploma, os que sendo em muitos casos grandes cantores e vozes, ficam num marasmo estacionados, fazendo cópias do que já foi feito. Daí ter buscado e trabalhar há 16 anos numa forma de "língua" fonética/sonora que me permitisse sair dos clichés e ao mesmo tempo sempre tentando realçar a beleza e a originalidade.

JD - suas peças musicais são diferentes de todas as outras quer ao nível da melodia como à da letra - opinião

FG - Como "letra" é a forma como sempre tento improvisar, sem estereótipos. Harmonicamente e melodicamente, tive a sorte de nascer e dar os primeiros passos num País como o Brasil, que tem a riqueza musical que todos sabemos. No fundo nada mais é do que a somatória do meu próprio percurso, das minhas experiências e viagens, físicas, mentais e Espirituais. Na actualidade, só copio o que eu próprio faço...

JD - em que língua canta?

FG - em várias, mas se me perguntas sobre o idioma sonoro que inventei, apesar de trabalhar há 16 anos nele, ainda não lhe dei nenhum nome, aliás, acho que se tiver que algum dia ter um nome, será a própria história ou os músicos que o farão, nunca eu mesmo...

JD - conhece as obras de Bobby McFerrin e o encontro dele com Maria João?

FG - conheço muito bem a obra de Bobby McFerrin e acho uma luz na rotina da música que se faz no mundo, atribuo-lhe um papel muito além do próprio jazz. Quanto ao dueto feito com a Maria João, acho que depois de um certo nível não pode ser menos do que foi. Muito bom.

JD - gravar será trair suas canções dada a permanente improvisação que elas 'sofrem' quando as retoca?

FG - Curiosa pergunta: Em parte concordo, por outro lado, procuro gravar de três formas distintas: 1) como puro intérprete, fazendo pequenas alterações que respeitam a melodia da composição mesmo dando um "toque" diferente... 2)  cantar quase sempre atrás do tempo, gravar coisas com total improvisação em que a alma/cabeça comanda no próprio momento aquilo que é desenvolvido e 3) fazer a mistura de ambos, cantar "certinho" as melodias e na hora do improviso sair fora de tudo, partir (linguagem de músicos) a louça sem me prender a nada, sem regras, sem preconceitos de nenhuma espécie, tanto na parte harmónica como melódica.

JD - que acha do mundo português em todas as músicas? pf destaque especial para o jazz e para a MPP (Música Popular Portuguesa)

FG - Infelizmente não lhe posso dar uma resposta como seria o meu desejo, embora prefira passar ao lado dessas perguntas, vou responder que assim como considero que não existe um Jet Set Português, também considero não existir ainda um mundo musical aqui nas nossas bandas. Embora existam muitos músicos a surgir de vários sítios, e diferentes esferas, os senhores mandantes da cultura, infelizmente ainda nada (ou pouquíssimo) fizeram para que possa existir um mundo musical Português. Espero que aconteça algum dia, seria bom para todos.

Só no caso do Fado, agora existe uma euforia que nunca antes foi sonhada, pois os mesmos senhores que antes consideravam o Fado um género menor, são agora os que o aplaudem entusiasticamente, fazendo um ignóbil aproveitamento político do que antes era só do Zé povinho...

JD - conhece as soluções estéticas-musicais de Mila Dores? opinião

FG - Não posso dizer que conheça, o mais correcto é dizer que conheço mal, não seria justo falar de alguém de quem pouco ou  nada sei. Só espero que tudo o que ela faça, seja feito com alma, sabedoria e originalidade. Que goze muito a estrada dos sons que a vida lhe reserve, que dê coisas ao mundo dos caretas que pensam muito e nada sabem...

JD - porque gravou seu último CD para a 'Numérica'?

FG - Na época do lançamento do meu CD "Fado Negro" o Fernando Rocha com quem eu tinha em princípio a intenção de assinar um contrato de distribuição desse projecto, fez-me a proposta de editar ele, Numérica Multimédia, sete (7) discos meus que estavam já realizados ou em fase de misturas e masterização.Nesse momento eu que já há anos não vendo os meus Masters, (e aconselho qualquer artista criador a também não faze-lo), concedi-lhe uma licença de edição temporária.

JD - a percussão é importante na sua Música? por e para quê?

FG - A percussão é parte da minha raiz, da música que faço, sempre foi e sempre será, mesmo em projectos meus ou que eu produza para outros artistas onde não exista percussão, o "drive" está sempre presente. É algo semelhante a não poder haver música se não houver silencio

JD - aprecia fado? porquê?

FG - Pelo que representou na minha vida através dos meus amados pais e pelo grande bruxo musical que é e ainda poderá ser muito mais, se os puristas pararem de dar palpites sem entender a essência de algo que tal como o Flamenco pode chegar a ser muito maior e dar-se a conhecer ao mundo de forma definitiva e inequívoca.

JD - pf escreva-nos sobre nome e estética e forma de seu mais recente CD

FG - chama-se "Axayara" e está inteiramente cantado num idioma sonoro inventado por mim, a estética é algo que já foi chamada por várias pessoas que conhecem o trabalho em profundidade de um "new model", portanto, o que lhe posso dizer é que mais próximo está da New Free World Music do que de outro género. Posso acrescentar que todos os instrumentos e vozes foram gravados executados por mim. Tive um Co-produtor e técnico de som chamado Vicente Pereira, dono do estúdio 107 em Cascais que foi um excelente colega em todas as fases da feitura do projecto, muito contribuindo para o resultado final ser o que é...

JD - porque participou na gravação de 'Hino' uma canção encorajante com a participação de muitos jovens Autores de Canções portuguesas?

FG - acho que ficar parado é morrer, seja com crise ou sem crise, há que inventar "coisas" que tragam algum bem estar ao povo que sofre calado nas entranhas dos bons costumes, mostrando a cabeça sem convicção de vez em quando, que parados não chegaremos a lado nenhum. Fui convidado para participar, assim como grande parte de artistas de quase todas as áreas musicais e simplesmente aceitei. Só espero que os resultados sejam bons para os que mais precisam: o povo sem voz que trabalha e já quase nada tem para por na mesa.

JD - sua opinião sobre Hermeto Pascoal - há afinidades com sua obra?

FG - Hermeto Pascoal é um dos grandes génios que o mundo ainda tem em carne e osso, tenho um respeito enorme por tudo que ele mostrou ao mundo e aos músicos de todas as áreas. Até o grande Miles referia-se a ele como o grande Hermeto. Sobre afinidades com a sua música, deve haver alguma, pois ele, quando esteve em Portugal convidou-me para um desafio sem "rede" num espetáculo seu onde mandou parar os músicos e ficamos improvisando durante uns bons minutos num mano que fará sempre parte das minhas memórias

JD - suas relações com o 'Hot Clube' são antigas? quais e quando foram?

FG - sempre fui um dos "rapazes" do Hot antes de emigrar para Madrid e depois para os Estados Unidos. Bati várias vezes os recordes de bilheteira e cheguei (outros tempos) a tocar 4 e 5 dias seguidos na mesma semana sempre com casa cheia. Neste momento, não tenho nenhum contacto com uma casa de onde cheguei a sair às 15h depois de tocar desde as 22h Havia uma magia que nunca mais foi encontrada tudo isso mudou...

JD - seus discos têm aceitação no Brasil?

FG - Sabe, depois de eu ter declarado guerra ao enquadramento normal do gosto generalizado, tudo tornou-se menos visível por razões óbvias, mas em lojas especializadas tem, não só no Brasil, mas em todo o mundo civilizado, podem ser encontrados discos meus. Tenho amigos que compraram um disco meu numa feira na Indonésia e em lojas na Índia e em locais muito interessantes que eu mesmo não sabia... Já foram gravadas musicas minhas com os textos traduzidos em vários idiomas

JD - é músico profissional?  euros ganhos com Música dão para viver?

FG - para quem trabalha com música há mais de 30 anos (nunca fiz nenhuma festa de carreira...) e que tem editadas pelo mundo ao redor de 300 composições, sempre vai dando para viver e ter uma vida digna. Sou um felizardo, sem a mais mínima dúvida, pelam música, pelos meus 6 filhos. Guarani, Hugo, Jaya, Santiago, Maria e Vasco, pela minha família e pela mulher que me atura há 15 anos, a minha amada Anabela.

JD - já atuou na Culturgest? na C da M ao Porto?  no CCB?

FG - nunca fui convidado para mostrar a minha música em nenhum dos locais que citou, os motivos? Desconheço totalmente. Mas, quem manda é que sabe, talvez qualquer dia tenham pena de mim e deixem o excêntrico e louco Girão fazer uma perninha nessas maravilhosas salas onde todos já foram, menos eu...

 JD - seus preferidos instrumentistas e  vozes no jazz em Portugal?

FG - Peço humildemente desculpas, mas não sei dar nomes concretos, pois eu desde há uns tempos, cada vez mais ouço menos música... Isso sim, espero que apareça uma enxurrada de bons músicos/as e cantores/as, que partam a louça com categoria, garra e sabedoria intuitiva. Aos que quiserem contactar-me, estou como um irmão, aberto a recebe-los em minha casa. As minhas portas estarão sempre escancaradas para falar sobre a vida do que é ser músico, sobre a música, sobre a vida...

 JD - obrigado Fernando Girão

FG - Um grande abraço e muito obrigado pela entrevista, Zé. Até sempre, até jazz...


 
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