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Johannes Krieger
09-11-2011 00:00
 

José Duarte - um jovem diretor alemão para uma big band jazz portuguesa - comentários

Johannes Krieger - Não acho nada especial. Já décadas atrás existia um senhor alemão, que dirigiu a orquestra ligeira de televisão em Portugal. Agora há um diretor dinamarquês de big band, o Claus Nymark. Há outro amigo e colega meu, que está em frente da big band da escola superior em Lisboa e com que estamos a dirigir juntos a Tora Tora Big Band, o Lars Arens. A única coisa que talvez marca a diferença à um diretor português será: quando falo com os músicos da Reunion Big Jazz Band eles as vezes riem-se do meu sotaque forte...

JD - duas licenciaturas em 2.000 no Conservatório de Amsterdam em trompete e arranjo - licenciaturas ligadas a jazz?

JK - Sim, estudei 4 anos em Hilversum e Amsterdam. Tenho até hoje uma vista ambivalente sobre os estudos académicos de jazz. Por um lado gosto muito da ciência e da teoria e acho-las muito importantes. Tive sempre uma abordagem teórica e gosto muito "filosofar" sobre os aspectos na música. Para mim uma aprendizagem profunda da música tem que estar ligada a uma certa sistematização e teorização.  Contudo a música deve ser sempre viva, deve ser cheia de personalidade, deve surprender, e também numa certa forma deve ser inexplicável. A música sempre deve ter uma expressão muito pessoal e infelizmente isso é dificil de aprender numa escola. Ao final dos 4 anos de estudar no Conservatório de Amsterdam fiquei um pouco deprimido, porque a escola põe qualquer aspecto musical dentro de uma caixa e quer avaliar tudo em valores de notas. Lá comprovam que existem notas erradas e definem o swing mais certo. Mas também tive professores impressionantes em Amsterdam como Charles Green e Misha Mengelberg, que destacaram a teoria tal como a música prática, ou Nico Langenhuijsen, um professor de arranjo, que me explicou a relação entre movimentos de corpo, dança e música.

JD - nasceu em 74 ano da conquista da Liberdade em Portugal - começou a estudar trompete e contraponto com 12 anos?

JK - Já comecei de tocar trompete um pouco mais cedo, mas tive aulas de trompete no conservatório da minha cidade aos 12 anos. Aprendi música clássica, mas nunca gostei muito toca-la. Em vez toquei jazz logo desde o início de aprender o trompete. Tive muita sorte porque o meu pai, que gosta de tocar contrabaixo, introduziu-me ao jazz. O mesmo fez um professor de religião na escola secundária, que me ofereceu oficinas de jazz e que dirigiu a big band da escola. Mais tarde aos 17 anos tive algumas aulas de contraponto.

JD - foi aluno de professores como Ingrid Jensen, Misha Mengelberg, Roy Hargrove, Winton Marsalis, John Clayton, Kenny Werner, em cursos e workshops - aprecie sua preparação como jovem músico

JK - Quem me impressionou mais destas pessoas mencionadas foi o Misha Mengelberg. Ele deu um curso de contraponto em Amsterdam. Mas ao final falou de todos os aspectos da música e das experiências na vida dele. Outros workshops espectaculares foram dados por Maria Schneider, Barry Harris e Clark Terry. A Maria tem uma forma incrível de conduzir uma banda, Clark and Barry eram personagens importantes, verdadeiros cotas de jazz e só ouvir-los falar já dá inspiração musical.

JD - porque se mudou para Portugal em 2.000?  música?!

JK - Em Amsterdam existem muitas cenas diferentes de música. Mas curiosamente tive dificuldade em encontrar o que estava a procurar. Isso se pode chamar uma certa forma de Jazz que está ligada à música africana e música étnica por um outro lado, sempre quis viver em cidades do sul da Europa como Barcelona, Sevilla ou Lisboa. Entretanto escolhi a cidade menos conhecida... Ao final, em Amsterdam trabalhei mais como arranjador do que como trompetista. Pensei de continuar assim em Lisboa, mas nesta altura existiam muito poucos grandes ensembles de jazz. Ao final voltei a tocar trompete quando cheguei em Portugal. Practicamente não escrevi nada até ao começo da Tora Tora Big Band em 2002. Logo nos primeiros dias em Portugal encontrei pessoas como Marco Franco, Gregg Moore e Nuno Rebelo, mas também Kimi Djabate, Aldo Mila e Francesco Valente. E eles introduziram-me a muitos outros músicos.

JD - como corre o ensino jazz na Universidade de Évora onde foi professor jazz?

JK - A universidade de Évora tem uma pequena faculdade de jazz com cerca 50-60 alunos. Estou lá a ensinar trompete e técnicas de arranjo de jazz. A atmosfera é muito pessoal e não tem nada haver com a do Conservatório em Amsterdam, que parece uma fábrica de jazz. A possibilidade de dar aulas obriga-me a pensar bem sobre os assuntos. Tenho que encontrar explicações, que abrangem toda a matéria, mas que também são percebível para todos os alunos. Muitas vezes, no processo de tentar explicar uma matéria em várias maneiras diferentes aprendo igualmente como os alunos. Uma coisa interessante nas aulas é a comunicação entre alunos e professor. Para mim, as vezes isso é igualmente importante como os conteúdos a transmitir.

JD - conhece as discografias dos trompetistas Christian Scott  e  Ambrose Akinmusire?

JK - Christian Scott conheço bastante bem. Curiosamente as suas composições parecem ter mais influência do Rock do que de música afro-americana como por exemplo Soul ou Disco. Ambrose Akinmusire conheço menos. Das poucas coisas que ouvi da sua música impressionaram-me a utilização de intervalos estranhos e de frases inconvencionais. Também gosto da interacção da banda e dos conceitos de misturar improvisação e composição.

JD - a grande orquestra portuguesa 'Tora Tora' que dirigiu acabou?  comentários

JK - O último concerto fizemos há cerca de um ano e meio e depois disso a banda ficou parada. Mas precisamente agora estamos a retomar os ensaios, estamos a escrever novas músicas e já gravamos algumas músicas para um novo disco, que vai sair em breve. A banda vai ter um conceito mais moderno com influências de música eletrónica atual e com a utilização de compassos compostos, mas sem perder a influência do jazz e sem mudar o conceito instrumental da banda.

 JD - descreva-nos a 'Reunion Big Jazz Band' que dirige?

JK - A Reunion Big Jazz Band já existe quase 10 anos, eu próprio toquei lá trompete durante alguns anos. A banda mistura músicos amadores e profissionais. No ano passado mudou-se o conceito da banda: agora principalmente só se tocam composições e arranjos dos membros da banda, que são do Daniel Hewson, Claus Nymark e meus. Os ensaios são feitos semanalmente e cada mês introduzimos arranjos novos. Isso obriga a banda a ensaiar regular e concentradamente. Agora o estilo da big band parece ser um pouco mais moderno do que antes: temos mais músicas latinas e algumas músicas com ritmo afro. Estamos a planear gravar as composições novas no final do ano.

JD - considera-se um músico jazz? em exclusivo? porquê?

JK - Desde que faço música considero-me um músico de jazz. Hoje em dia é muito difícil definir o que é o jazz, e o que já não é jazz. Mas isso não é importante, existem muitos estilos diferentes, que se misturam entre eles. Estamos a viver numa sociedade pluralista com muitas influências e para criar música nova são precisas estas influências. Não interessa, se o resultado depois for chamado jazz ou tiver outro nome, a afinidade ao jazz mantem-se sempre. Então, o jazz é a música perfeita para uma sociedade contemporânea, porque sempre está em transformação. Há alguns músicos, que são muito puristas. Isso não faz bem ao jazz, nem a qualquer outra música.

JD - que prática e experiência tem tido com o - a meu ouvir bom - grupo 'Wishful Thinking' desde 2004?

JK - O grupo "Wishful Thinking" teve algumas ideias muito especiais: os diálogos musicais; conceitos diferentes da improvisação como por exemplo improvisação em grupo; ligações fortes entre composição e improvisação; inspiração musical em conceitos filosóficos, literáticos e na arte. O que sempre me fascinou foi a criação de momentos poéticos dentro da música e a elaboração destes momentos em conjunto mediante improvisação. O saxofonista Alípio Neto e o pianista Alex Maguire foram os que introduziram substancialmente estes momentos na música.

JD - conhece a obra de Joachim Kuhn? opinião

JK - Vi vários concertos dele e ouvi alguns discos dele. Tive a sorte de o conhecer, quando tocou aqui em Lisboa alguns anos atrás. Para mim é o músico de jazz mais completo da Alemanha, talvez porque viveu muitos anos fora da Alemanha em Paris. Gosto muito dos discos e projetos que faz com o seu irmão, o Rolf Kuhn, um clarinetista pouco conhecido, mas com muita musicalidade.

JD - os músicos jazz europeus são comparáveis aos norte-americanos ou versa-vice?  porquê?

JK - É dificil de dizer. Substancialmente nas décadas passadas o jazz americano e europeu tiveram conceitos muitos diferentes. Hoje, como o mundo está muito em movimento tudo se mistura. Há músicos de jazz americanos com conceitos de jazz europeu e vice-versa.

JD - explique-nos sua discografia em particular cd:  Grove 4tet 'Do The Right Thing' e Nuno Rebelo 'Compact Disc Concert' e Yuri Daniel 'Southway'

JK - Nuno Rebelo foi um dos primeiros músicos que conheci quando cheguei a Portugal em 2000. As maneiras dele tocar e compor são muito interessantes, porque são baseadas em técnicas muito individuais e pessoais. Quase todos os anos ele faz projetos interessantes e diferentes. O Groove quartet é um grupo de jovens, que conheci nos bares do Bairro Alto, onde tocaram inicialmente. Eles têm uma forma especial de tocar juntos no grupo e fazem isso com muita energia. Convidaram-me para gravar algumas músicas no último cd deles. O grupo do Yuri Daniel, um baixista excepcional, nasceu há algum tempo. Temos trabalhado ao longo do tempo num conceito de jazz-fusão, que dá muita liberdade a cada solista.

JD - sua opinião sobre improvisação free e improvisação clássica? diferenças? semelhanças?

JK - primeiro deve-se definir o que é improvisação free. Existem tantas formas de improvisação no jazz e em estilos parentes, com conceitos diferentes. E a improvisação free é só uma destas formas. Realmente parece-me que existem muito mais formas e conceitos de música improvisada do que da música composta.  A improvisação clássica do tempo do barroco ou da escola francesa de orgão não tem muitas semelhanças com a improvisação free. A improvisação clássica parece mais composição ao vivo, tem muitas regras definidas, como estrutura, forma, uso dos motivos, encaixe harmónico, regras melódicas e mais e mais... Como oposto a improvisação free tenta destruir o momento compositórico e quer vitalizar a música. Podem existir regras mas são personalizadas e muito individuais. As vezes nem existem regras. Ao falar de música clássica contemporânea, já existem muito mais congruências com a improvisação contemporeânea do jazz. Até as vezes a única diferença nestas duas formas é a história biográfica dos músicos. O resultado musical pode ser o mesmo.

JD - tendo corrido a Europa com jazz e outras músicas que pensa do valor e do número de instrumentistas jazz portugueses?

JK - Para ser um país pequeno, Portugal tem uma cena de jazz bastante viva. Há muitos festivais e alguns sítios de concertos. Existem vários músicos interessantes, mas existe pouca variedade de instrumentos. Há muitos guitarristas e bateristas. Há bastante saxofonistas e pianistas. Mas há poucos trompetistas e trombonistas e quase não há instrumentos exóticos como trompa, clarinete baixo, fagote ou violino a tocar jazz. Estou interessado em criar sonoridades diferentes por uso de instrumentos diferentes, como tenho feito por exemplo no meu grupo de três instrumentos de baixo diferentes, 3-Bass-Hit, que inclui baixo eléctrico, tuba e clarinete baixo.

JD - que atividade tem tido com moçambicano André Cabaço e caboverdeano Tito Paris?

JK - Com André Cabaço tenho uma grande amizade, musicalmente e pessoalmente. Para mim é um grande mestre da articulação e modulação da voz. O que fazem os grandes instrumentalista de jazz com os seus instrumentos faz ele na música afro com a sua voz. Convidei-o para cantar nos Tora Tora e também no meu quarteto Chibanga Groove. Muitas vezes participo nos projetos dele: na sua banda, Ébano ou com o Mick Trovoada. Toquei vários anos na banda de Tito Paris. Tocar com ele foi uma boa experiência profissional e tive a possibilidade de conhecer muitos músicos africanos (e portugueses), porque o Tito tem uma facilidade incrível de juntar pessoas no palco e fora do palco.

JD - diferenças ou/e parecenças da música africana com a europeia portuguesa?

JK -A música africana e europeia são mundos diferentes. O mais importante na música africana é o balanço (do ritmo). As melodias e frases funcionam numa maneira muito diferente e a harmonia tem uma outra importância do que na música europeia. As melodias e ritmos africanos são tão diferentes que raramente se encontra um europeu, que consegue apanhar completamente o "feeling", que os africanos já têm naturalmente desde a infância. Infelizmente nos últimos tempos a música africana lusófona deixa-se influenciar demasiado pela música europeia e latino-americana e assim para mim perde um pouco o seu fascino e exotismo.

JD - obrigado Johannes Krieger

 

 

 


 
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