José Duarte - porquê UM Undergrond Music em LUME nome da orquestra portuguesa que dirige?
Marco Barroso - É uma questão de gosto que, de alguma maneira, tem também a ver com o facto de a minha música ter muitas referências em expressões musicais de raiz afro-americana. Mas se questionarmos o porquê de um nome em inglês, também podemos questionar o porquê de fazer música de origem não portuguesa em Portugal e uma infinidade de outras coisas. Em todo o caso, o termo underground não tem, quanto a mim, um equivalente em português que conserve a mesma carga expressiva e, na realidade, underground (por oposição a mainstream) usa-se vulgarmente na nossa lingua como significante de algo que é alternativo ou fora do padrão mais comum. Mas não quero fazer afirmar grande coisa com isto. Gosto da carga subversiva da palavra e achei que seria um bom indicativo para o grupo, evitando certos clichés associados à estética deste tipo de formações que seriam sugeridos se eu colocasse no nome da banda palavras como Swing ou Bigband. Em todo o caso, eu não vejo o termo underground, no contexto específico desta banda, sem uma certa ironia. Não me importo nada de ser mainstream. Devo ainda acrescentar que o nome funciona tanto em inglês como em português (LUME).
JD - como se funda uma orquestra como você fundou a LUME?
MB - É preciso uma ideia, um conceito e um repertório que consigam convencer um conjunto de músicos de qualidade a empreender um esforço colectivo na realização de um projecto. Foi o que procurei fazer com o LUME. Devo gradecer a todos aqueles que se envolveram no projecto, e uma referência especial ao Eduardo Lála pelo seu continuado esforço de promoção do LUME. JD - repertório de LUME?
MB - O repertório é todo da minha autoria.
JD - o que é e como se escreve um arranjo para uma orquestra jazz?
MB - O termo arranjo é um pouco difuso, podendo ter por base premissas muito distintas. A Bigband, enquanto modelo com uma longa e rica tradição tem desenvolvido um conjunto de formas legadas pelos seus mestres que, hoje em dia, na sua rememoração estrita e formulaica configuram situações mais ou menos estereotipadas a que convencionalmente chamamos arranjo. Mas também podemos considerar como arranjo uma composição que, apesar de se apropriar de material já existente, assume critérios de autoralidade, podendo o resultado ser, na realidade, bastante original.
JD - quem escreve os arranjos para LUME?
MB - Toda a música é escrita por mim e da minha autoria.
JD - músicos em LUME são bons instrumentistas e também alguns bons improvisadores? quais?
MB - Todos os músicos de alguma maneira improvisam no LUME, sendo que alguns também o fazem de uma forma solística. São os casos do Paulo Gaspar, Jorge Reis, José Menezes, Elmano Coelho, Luís Cunha, Eduardo Lála, João Moreira, André Sousa Machado e Miguel Amado.
JD - conhece as discografias de Duke Ellington, Gil Evans, Maria Scheneider? comentários
MB - Conheço. Tenho maior interesse pelo Duke Ellington e o Gil Evans. O Duke Ellington introduziu no contexto da linguagem jazzística uma perspectiva ambiciosa da composição com critérios próprios dos eruditos. Isto é bem patente, por exemplo nas Suites ou Sacred concerts. O Gil Evans, por sua vez, foi seminal na sua colaboração com o Miles e mais tarde (anos 70) no tingimento psicadélico das cores bigbandísticas ao conjugar de forma feliz electrónica e improvisação livre com um sentido de textura muito apurado. Ambos foram compositores que souberam, de forma notável, assumir riscos e evoluir ao longo das sua carreiras.
JD - Estudou piano na AAM Academia dos Amadores de Música e no HCP Hot Clube de Portugal - diferenças
MB - São escolas importantes e referenciadas que têm desenvolvido um papel muito relevante no ensino da música, o HCP no Jazz, a AAM no domínio da música clássica.
JD - descreva vosso CD publicado em 2010 - temas, músicos, arranjo(s), interesse da editora, vendas
MB - O disco tem por objectivo dar a conhecer a música que eu tenho vindo a compor para o LUME e que os seus músicos têm vindo a interpretar. Um aspecto particular é a apresentação de um contexto mais electro-acústico onde algumas peças se revestem de sonoridades sintéticas e concretistas. O que procurei com isto foi criar um enredo que reforçasse o sentido narrativo do discurso musical e que tirasse maior partido de uma situação de estúdio. O disco foi editado pela Jacc e tem vendido muito bem. Os temas são: Lux, Turn Around, Ignição, (...), Freestyle Boogie, Curves on the points to find e Festa. Os músicos: Manuel Luís Cochofel, Paulo Gaspar, Jorge Reis, João Pedro Silva, José Menezes, Elmano Coelho, Jorge Almeida, Pedro Monteiro, João Moreira, Luís cunha, Eduardo Lála, Pedro Canhoto, Miguel Amado e André Sousa Machado.
JD - foi vencedor do Prémio Jovem Autor na SPA em 2008 - comentário
MB - É um prémio com prestígio que recebi com muita satisfação, ainda para mais por se tratar de uma instituição que representa e defende os artistas.
JD - como compositor que tipo de peças cria? afinidade com jazz?
MB - Espero que não sejam de um tipo aprioristicamente definível. A minha relação com o Jazz vem, antes de mais, do facto de a minha música requerer um tipo de flexibilidade (no domínio da música escrita e da improvisação) e uma afinidade com a expressividade da música africana/americana que mais facilmente se encontram nos músicos de Jazz (mas não é imperativo que o sejam). Por outro lado, o facto de eu compor substancialmente para um formato de contornos bigbandísticos, incorre numa necessária relação com os índices que lhe estão associados, ainda que a perspectiva que eu deles tenha não seja própria de um músico com um ethos jazzístico.
JD - uma big band jazz permite resolver a problemática disciplina versus liberdade com a disciplina de leitura de música escrita com a liberdade dos improvisos - para comentar
MB - Não, porque a liberdade é mais arriscada em grupos de maior dimensão orquestral. Ou seja, podemos conjugar muito mais facilmente liberdade e disciplina num grupo pequeno (onde as variáveis são em menor número) do que num grupo grande. Mas, seja como for, a equivalência estrita entre leitura-disciplina e improvisação-liberdade é um pouco simplista. Para além disso, os conceitos de disciplina e liberdade, bem como a dicotomia em causa, devem ser relativizados. Os limites podem estimular a criatividade e a liberdade, pelo contrario, constrangê-la. Tudo depende do que se pretende. Um quarteto a improvisar livremente pode ser muito mais disciplinado que uma Bigband a interpretar repertório.
JD - compõe em função dos músicos de que dispõe?
MB - Sim. Embora essa expectativa, levada demasiado em conta, possa incorrer numa certa limitação.
JD - que lhe parece o ambiente jazz em Portugal? músicos, escolas, público, salas disponíveis, crítica, mercado de cd, etc.
MB - Há um ambiente fértil em termos de produção, divulgação e crítica. que acompanha a qualidade do jazz que se faz em Portugal. Em termos educacionais tem havido desenvolvimentos muito positivos com o incremento do número de escolas e de cursos a nível superior. Talvez faça falta uma maior dinâmica ao nível de clubes que estimulem mais o circuito jazzístico e contribuam para o aumento de um público conhecedor.
JD - conhece a obra de Paulo Perfeito?
MB - Não muito profundamente. Do pouco que ouvi, pareceu-me interessante.
JD - LUME participou no II encontro de big bands jazz em Lisboa - que tal lhe pareceram os outras orquestras jazz? e a ausência da de Lagos?
MB - Infelizmente não tive oportunidade de ver as outras orquestras.
JD - Obrigado Marco Barroso
MB - Obrigado |