JD - tem experimentado outros pianos que não somente os acústicos? João Paulo - Piano é piano. Mas, claro, existem outros instrumentos de tecla, alguns dos quais gosto bastante de tocar como acordeão, órgão, cravo, fender rhodes... em contrapartida, dou-me bastante mal com os teclados digitais do tipo «clavinova» e seus sucedâneos. JD - piana só jazz ou outras Músicas também? quais? JP -Deixe-me oferecer um pouco de resistência a esse verbo «pianar». Digo porquê. Pianar( para além de me fazer pensar num jogador de futebol, Pienaar) põe a tónica, a ênfase, no instrumento de trabalho e não no trabalho propriamente dito. Equivaleria a dizer «pincelar» no caso do pintor ou «canetar» no caso do escritor. Por isso prefiro o verbo habitual, tocar, e é isso que reconheço fazer. Toco jazz, música clássica, música tradicional, rock, pop, admitindo que estas classificações façam sentido. JD - pianistas jazz que recomende JP - Não consigo fazer recomendações, em geral, sem conhecer a quem, porque nem tudo é recomendável para todos. Mas posso fornecer uma lista, muito incompleta, de pianistas que aprecio: Keith Jarrett, Thelonious Monk, Bud Powell, Herbie Hancock, Earl Hines, Bill Evans, Fats Waller e muitos outros.... Duke Ellington, Duke Jordan, Abdullah Ibrahim etc. JD - estive num notável concerto seu com Ana Brandão - escreva-nos sobre a decisão de escolher aquele repertório e de como o trataram JP -O concerto a que assistiu teve lugar por alturas de 25 de Abril, o repertório comemorava um pouco essa data, com canções do Zeca, do Eisler, José Mário Branco, por exemplo. Noutras alturas, o repertório seria diferente. A escolha das canções tem vindo a surgir de forma improvisada: Um de nós propõe, experimentamos e a canção fica, ou não fica, conforme o êxito da experiência. JD - a sua discografia jazz JP -(Subentendo discografia em nome próprio). Cá vai: Serra Sem Fim, 1994(Quarteto com Jorge Reis, Mário Franco e José Salgueiro) O Exílio, 1998, Almas, 1999, (Trio com Peter Epstein e Carlos Bica) Esquina, 1999(Duo com Peter Epstein) Nascer, 200o (Trio com Peter Epstein e Ricardo Dias) Roda, 2001(Piano solo) As Sete Ilhas de Lisboa, 2003(Trio com Paulo Curado e Bruno Pedroso) Quase Então, 2004( Duo com Paula Oliveira) Memórias de Quem, 2007(Piano solo) Scape Grace, 2009(Duo com Dennis Gonzalez) White Works, 2009( Piano solo, música de Carlos Bica) JD - gravar piano acústico a solo foi um desafio? JP - Não, pelo contrário, o desafio tem sido não gravar mais vezes a solo. JD - para um pianista que pratica várias Músicas em que é que jazz se distingue das outras? JP -O Jazz tem uma história. Fazer ou não fazer parte dessa história pode servir como critério de distinção. E a história ainda não acabou; por isso ainda não é possível identificar os elementos que constituiriam a essência da coisa jazz; é que o vivo safa-se sempre das definições. Quando a história acabar, então será possível, talvez, nomear a essência do jazz morto, e o mesmo nome servirá, depois da autópsia, para identificar a causa da morte. JD - quais são os pianistas jazz que prefere porquê? JP - Na pequena lista supra estão alguns dos pianistas que mais aprecio. Aproveito agora para acrescentar dois amigos: Mário Laginha, Bernardo Sassetti. Quanto ao porquê não há porquê, como na rosa do Silesius. JD - o ataque ao teclado com clusters e outras técnicas são da sua preferência? porquê? JP - Acontece-me atacar o teclado com clusters, sim, acontece-me também atacá-lo com outras técnicas, penso que tenha a ver com o sistema hormonal endócrino. JD - toca blues amiúde? porquê? JP -Sim, muitas vezes. Porquê amiúde, ou porquê blues? Nem a uma nem a outra saberia responder. JD - conhece bem o pianar de Art Tatum? impressões JP -Sim. Acho admirável mas não me apaixona. No Art Tatum impressiona-me mais o pianar( para usar o seu verbo) do que a música. JD - Bill Evans e Keith Jarrett foram os instrumentistas que marcaram já mais do que uma geração de pianistas jazz portugueses e de outras nacionalidades - e para si quem são seus Mestres? JP -Entre os meus mestres de jazz estão esses, claro, mas também outros músicos, não pianistas, Miles Davies, Ornette Coleman, Charlie Parker, Wes Montgomery etc. JD - compõe? quais compositores são para si os mais notáveis? porquê? JP -Sim. Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, são os compositores que, na minha opinião, chegaram mais perto da música, e atingiram, na escrita, o nível da improvisação. No nosso tempo, só Györg Ligeti se lhes pode comparar. JD - temas musicais que prefere retocar em improvisações? JP -Não tenho preferência; tudo, ou nada, o vazio, serve para improvisar. JD - peça de improvisação em piano jazz que conheça gravada e que o impressione muito? JP -Por exemplo: In Front, de Keith Jarrett, no disco Facing You. JD - importância de Jason Moran como compositor - inventor de novas formas - improvisador JP - Peço desculpa, conheço mal o Jason Moran, não estou em condições de opinar. JD - sua opinião sobre a nova geração de pianistas jazz portugueses JP - São cada vez mais e melhores. Quando comecei a tocar jazz éramos três ou quatro. Hoje vejo-me rodeado por dezenas de jovens pianistas talentosos. Custou mais foi. JD - há uma tradição clássica europeia para pianistas jazz europeus? JP -Sim. Mas também há uma tradição europeia para pianistas de jazz americanos. Talvez seja mais difícil na Europa encontrar um caso como o do Thelonious Monk no que respeita à técnica pianística, ou como o do Horace Silver( mais um mestre que me tinha esquecido de mencionar), mas a tradição europeia faz-se sentir tanto lá como cá. É isto que permite o paradoxo de os inventores do chamado «jazz europeu» serem americanos: Ornette, Charles Loyd, Jarrett, Braxton etc. JD - quais as características que uma peça para ser de jazz deve possuir? JP - Como dizia o Humpty Dumpty, tudo depende de quem manda na palavra. É o detentor do poder que decide quem entra e quem sai do jazz. Umas vezes o critério é largo, doutras vezes tudo se decide num pequeno sinal, um estigma, um ritmo sagrado, um fetiche, umas cuecas de renda que se tornam mais importantes do que o corpo da amada. JD - jazz pode/deve ser ensinado? JP -Sim, claro, pode e deve, como qualquer arte. Para aquilo que, no jazz, toma a forma de um sistema de conhecimentos, o ensino deverá ser sistemático; naquilo que constitui mais propriamente a vida da arte, o ensino terá de assumir a forma de um convívio. Uma boa escola poderá proporcionar as duas abordagens em simultâneo. JD - obrigado João Paulo JP- De nada. julho 09 joseduarte@ua.pt José Duarte |