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Manuel Linhares
18-02-2020
 

José Duarte – de seu cv ‘entra em 2002 para a Escola de Jazz do Porto’ aprendeu jazz com 19 anos numa escola de jazz? minha opinião nas escolas nos conversatórios melhor conservatórios - parecem escolas para conservadores - aprende-se Música porque jazz aprende-se com a experiência os colegas jazzmen… «é da prática que chegam as ideias justas»

 

Manuel Linhares – Estou completamente de acordo quando diz que o jazz se aprende com a experiência. No meu caso acho que me fui aproximando naturalmente do Jazz pela voz da Ella Fitzgerald mas também de Nat King Cole ou Frank Sinatra. Foram referências muito marcantes que desde cedo quis descobrir e imitar as suas vozes e linguagem. O estudo musical esse começou mais aos 5 ou 6 anos com aulas de piano e com um percurso natural de trabalho coral que me acompanhou practicamente toda a adolescência. Os meus pais queriam que eu estudasse canto lírico mas para mim isso não fazia sentido, daí só aos 19 anos integrar a escola de Jazz do Porto e começar essa busca interminável que é o estudo da música. Digo busca interminável porque como músicos somos eternos estudantes, dentro ou fora de escolas, é uma contínua procura e que hoje com 36 anos continuo a fazê-la. 

 

JD – como explica a genialidade de Daniel Louis Armstrong e dos músicos da cidade Nova Orleães que com ele – felizmente – gravaram?

 

ML – Nem posso imaginar o ambiente musical que se deve ter feito sentir no início do século passado em Nova Orleães. Esses primeiros momentos do Jazz devem ter sido absolutamente riquíssimos na procura da definição dessa nova linguagem musical. Crescer nesse meio deve ter sido uma experiência extremamente marcante e claramente Louis Armstrong é um reflexo dessa época de experimentação e inovação musical. O trabalho que fez com a Ella é simplesmente majestoso e uma referência para qualquer cantor ou músico Recordo gravações como o "Stompin' at the Savoy" ou "A Foggy Day".

 

JD – viveu em Barcelona em Berlim cidades de países com forte tradição musical.. em Barcelona esteve com Zé Eduardo Mestre jazz talvez antes no ‘Taller de Musics’? conhece a obra de Zé Eduardo?

 

ML – Na realidade não o conheço pessoalmente mas em Barcelona ele era uma pessoa muito respeitada. Sempre me falavam com muito apreço do Zé Eduardo. Quando fui para a Taller de Musics ele já tinha regressado a Portugal mas claro que ele tem uma enorme importância no ensino e na difusão do Jazz em Portugal e Espanha. Mas esta minha vontade de estudar e viajar por outras cidades com fortes cenas musicais vem mais uma vez dessa procura por novas abordagens, novas referências e influências. Portugal é pequeno e sinto sempre falta de algum movimento musical mais forte.

 

JD – recentemente viveu uma história digna que devia ser conhecida por toda a gente portuguesa e cujos intérpretes principais foram Bobby McFerrin que o convidou e a notabilíssima Sofia Ribeiro estou bem informado? em Manhattan… colaborou com grupos de improvisadores musicais e dos gestos vulgo dança?

 

ML – Sim. O ano passado tive a honra de ser professor assistente convidado do Bobby McFerrin no curso anual "Circlesongs" que ele oferece em Nova Iorque. Desde 2017 que tenho participado neste curso com cantores de todo o mundo e este último ano de 2019 fui convidado para pertencer ao grupo de Professores, ao qual a minha grande amiga e colega Sofia Ribeiro também faz parte desde 2018. Foi realmente uma momento importante e de reconhecimento na minha carreira e foi uma experiência inesquecível. Para além disto nos últimos anos surgiram várias outras oportunidades que me levaram a Nova Iorque, como estudar com a Meredith Monk, que entretanto nos últimos dois anos trabalhei como assistente; estudar com o Theo Bleckmann - uma das vozes de referência do jazz vocal actual; e alguns convites para concertos com músicos que fui conhecendo por lá, como por exemplo com o brasileiro Pedro Iaco, com o qual entretanto tenho um duo; com o grupo de improvisação "The Whole Time" ou com o grupo de improvisadoras "Gaias". No fundo Nova Iorque é hoje um centro de reunião de músicos de todo o mundo e sempre que estou por lá tento absorver essa fervilhante pulsação musical.

 

JD – ainda em seu cv cita várias vozes embora eu gostasse que nos falasse apenas de 2 a de Rhiannon () e a de Gretchen Parlato

 

ML – A Rhiannon é talvez uma das minhas maiores referências no meu desenvolvimento musical e pessoal nos últimos anos. Uma voz talvez menos conhecida pelo público em geral mas que no ensino e na exploração da improvisação vocal é talvez a maior referência hoje em dia. A Rhiannon trabalha com Bobby McFerrin desde muito cedo e continua a ser um dos seus braços direitos. Tive a oportunidade de estudar com ela a primeira vez em 2016 no Hawaii, onde vive, e anualmente no curso "Circlesongs" do Bobby McFerrin, no qual também é professora. A sua abordagem à performance e à improvisação é extraordinária e por isso, neste ano de 2020 estou novamente a estudar com ela no seu curso de improvisação mais avançado. Relativamente à Gretchen Parlato. É uma cantora que admiro muito pela sua capacidade rítmica e pela forma que consegue fundir timbricamente com outros instrumentos. Foi uma cantora que me chamou a atenção através de uma colaboração no álbum do saxofonista David Binney - "Graylen Epicenter". Tive a oportunidade de estudar com a cantora no âmbito do Lisbon Jazz Summer School 2016, no qual acabei por fazer uma pequena participação com um solo no concerto do seu grupo - Tillery  (também com a Becca Stevens e a Rebecca Martin) no CCB em Lisboa. E depois disso revisitei-a em Nova Iorque, onde residia até há pouco tempo, e onde vi-a várias vezes em concerto e participei numa masterclass dela e do extraordinário pianista Shai Maestro. 

 

JD – que fez com sua voz e com José Mário Branco no grupo a cappella ‘Canto Nono’ 3 anos de 7 a 10? conheci Zé Mário em Paris no princípio dos anos 60 e desde aí fui seu companheiro musical político grandes Amigos…

 

ML – O Zé Mário foi uma referência enorme no meu desenvolvimento musical e relembro-o com muito carinho e admiração. Ele era director artístico do Canto Nono, um grupo a cappella no qual eu fazia de primeiro tenor. Cantávamos principalmente arranjos a 8 vozes das suas músicas e foi um trabalho muito exigente. As densidades melódicas e harmónicas das suas composições fizeram-me evoluir muito como músico. Mas mais que isso, recordo os ensaios que nos dirigia que mais se pareciam masterclasses, onde contava as suas histórias e onde nos transmitia essa força crítica e sempre insatisfeita de ver o mundo. Foi uma aprendizagem enorme cantar neste grupo e conhecer e acompanhar o Zé Mário Branco em palco. 

 

JD – ‘Boundaries é o seu 2º cd onde é também compositor e com melhor só com conhecimentos jazz se pode chamar a este cd um cd jazz tem - como aquele célebre tema de Carlos Lyra - ‘Influência do Jazz’…

 

ML – Essa é uma questão bem pertinente e que nem sempre é muito bem recebida por alguma crítica, talvez para uns o Jazz é o que já foi (e já foi tanta coisa); talvez para outros o jazz continua a ser um estilo inovador que se vai reinventando pela sua exploração rítmica, complexidade melódica e harmónica. A meu ver o Jazz sempre foi um estilo de fusões, de eterna renovação, de inovação e cruzamento de muitas influências, basta olharmos para a sua história. Para mim custa-me encerrar o Jazz no Bebop ou noutra fase qualquer que o caracterizou desde que o conhecemos. Acho que é um género musical sempre em transformação, influenciado pelo que acontece no mundo musical, político e social e por isso acho que nesse sentido "Boundaries" é sem dúvida um cd de Jazz. É um facto que tem inúmeras influências de outros estilos musicais, como o Pop, o rock, a música clássica ou contemporânea mas assenta claramente no jazz nas suas características harmónicas, melódicas e rítmicas. 

 

JD – nunca ouvi ‘Mar-Planície’ grupo musical com a colaboração de vários artistas jazz como João Paulo Esteves da Silva e ‘Cantares de Évora’… que canta lá?

ML – Mar- Planície é um projecto de originais do Saxofonista Carlos Martins e que junta o Jazz ao Cante Alentejano. É um grande projecto de homenagem ao Alentejo que para além do coro conta com a participação de um elenco de músicos de referência como o Alexandre Frazão, Mário Delgado, Carlos Barreto, João Paulo Esteves da Silva, Joana Guerra, Zé Conde e o próprio Carlos Martins. Para além de cantar música original, as letras foram escritas pelo reconhecido José Luis Peixoto, também ele alentejano.

 

 JD – ouve jazz instrumental? sei que a voz é um instrumento portanto vou simplificar se conseguir… ouve saxofones trompetes baterias contrabaixos jazz?… e quais prefere refiro instrumentistas e épocas

 

ML – Sim. Ouço muito Jazz Instrumental, provavelmente muito mais do que Jazz Vocal na realidade. Talvez possa referir algumas das minhas actuais referências principais. Já referi aqui o saxofonista David Binney mas não posso também deixar de referir o Wayne Shorter; No trompete para além do icónico Miles Davis gosto muito de Ambrose Akinmusire ou de Enrico Rava. Em termos de bateristas gosto especialmente do Eric Harland, do John Hollenbeck (com quem estudei), do Jim Black ou do Kendrick Scott. Pianistas tenho imensas referências por isso vou ter que reduzir a algumas que ouço mais: Keith Jarret, Brad Mehldau, Shai Maestro, Aaron Parks e Mário Laginha. Nas guitarras gosto muito do Kurt Rosenwinkle e do Yotam Silberstein e  nos contrabaixistas sem dúvida Dave Holland e Avishai Cohen. Saliento estes nomes não só pelo seu papel de interpretes mas também pelo seu contributo na criação e composição, que é algo que me entusiasma bastante.

 

JD – tenho uma filha que nasceu em 83 tal como você e outros milhões… ela é músico e da Música e passou metade da vida dela a aprender Música nos USA é agora também cidadã n-a… começou em Boston na ‘Berklee School of Music’ repare Escola de Música e não  Escola de Jazz e o seu principal instrumento é a flauta transversal que tocou viveu trabalhou um diversas cidades n-a mas conhece poucos músicos portugueses… tudo isto para lhe perguntar – a você um itinerante – como se justifica ou se combate os jazzmen não tocarem lá fora cá todos são ‘vedetas’ lá fora aprenderiam

 

ML – Portugal é um país pequeno e com uma cultura de jazz de nicho mas que vai tendo trabalho para a quantidade de músicos que existem a circular. Felizmente há alguns festivais e espaços, que bem ou mal, vão programando Jazz e que vão dando alguma dinâmica ao nosso Jazz Português, apesar de haver alguma precariedade e repetição dos mesmos nomes nos cartazes dos festivais que por aí se fazem. Acho que exactamente por esta razão muitos músicos acabam por ficar por cá, explorando as oportunidades nacionais e investindo pouco na internacionalizão. Obviamente que "lá fora", nomeadamente na Europa e no Estados Unidos, a competição é muito maior e é muito mais difícil entrar. No meu caso e a meu ver, eu acho que um músico é um estudante para a vida. Esta minha itinerância tem a ver exactamente com isso, já que quero continuar a estudar e investir no meu desenvolvimento musical e ao mesmo tempo na procura de novos desafios internacionais, com diferentes sonoridades, músicos e influências. Este meu investimento neste últimos anos fez com que se criassem algumas oportunidades para colaborações e apresentações internacionais.

 

JD – verdadeiramente em Portugal o jazz ainda é desconhecido porque conhecidas são as salas bem para pessoas bem a burguesia e dos músicos estrangeiros só se lhes conhece o nome mal pronunciado como o de Brad Mehldau que no CCB uma noite saiu ao fim de 45 minutos de encores só em Portugal... mas que não distingue um soprano dum barítono mas concertos e festivais não faltam todos com os mesmos músicos e clubes há 1 em Lisboa inóspito para quem ouvê e onde Mortágua o híper dotado João já tocou demais… já cantou no Hot e com quem?

 

ML – Na realidade não. Já fiz alguns contactos com o Hot Clube mas até hoje ainda não me consegui apresentar lá. Para um músico residente no Porto é sempre mais difícil entrar em Lisboa. Mas o ano passado consegui apresentar este meu novo álbum em três concertos na capital: desde logo na festa do Jazz 2019, no Cascais Jazz Club e na Lapo.

  

JD – conhece a discografia de Lou Rawls e de Sinatra e de Bessie Smith? 

 

ML – Sim, conheço bem a discografia do Sinatra e da Bessie Smith, especialmente do Sinatra de quem já cantei muito repertório. Do Lou Rawls já fui mais próximo em tempos quando ouvia mais Soul. 

 

JD – já foi ouver algum dos 28 festivais jazz em Guimarães? até eu que oiço jazz desde 1958 em cidades como Nova Orleães ou NY ou Varsóvia ou Paris e Londres ou Xangai ou etc. (trabalhei na TAP 30 anos) fico pasmado com as ‘novidades’ que todos os anos nos podem ensinar jazz uma improvisação permanente... onde e quem foi o último grupo que o maravilhou em jazz

ML –Sim. Fui a muitas edições do Guimarães Jazz, lembro-me de repente do concerto do Kurt Elling, da Carla Bley ou do Dave Holland. Mas respondendo à sua pergunta acho que o último concerto que mais me surpreendeu foi o Concerto do quarteto do Kendrick Scott no The Jazz Gallery, em Nova Iorque no passado mês de Dezembro. Belíssimas composições e um fresco quarteto com Mike Moreno na guitarra, a jovem revelação Kanoa Mendenhall no contrabaixo e o pianista Taylor Eigsti. 

 

JD – num país ‘surdo’ como Portugal vale a pena a grande pena tocar jazz?

 

ML – Vale sempre a pena se formos honestos no que tocamos e compomos. Eu sou eu no meu Jazz e nas minhas composições. Se fosse outra coisa, já não o seria provavelmente verdadeiro e isso conseguir-se-ia ouvir. 

JD – não se esqueça de prevenir este site da UA desde 2002 onde e com quem atuará pois o merecidamente publicitarei em Concertos ou Festivais ok? gostava de o conhecer… take care

 

Lapa Lisboa 27 janeiro 2020

joseduarte@ua.pt

 

 

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