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Pedro Madaleno guitarrista também jazz disse...
21-11-2016
 

José Duarte – quais são suas relações com a J B Jazz? esta Escola ainda existe?

 

Pedro Madaleno – A Jb Jazz ainda existe e será de certa maneira a melhor escola de jazz de Lisboa juntamente com o Hot Clube. Já fui director do programa de estudos, neste momento apenas lecciono as disciplinas mais avançadas de Harmonia, Composição e Análise e também aulas particulares de guitarra. Tem um ensino aberto ao cruzamento de estilos musicais, e motiva os alunos a criar suas próprias vozes, sem descurar a tradição do jazz.

 

JD – na Escola do Hot em que anos esteve? que lhe parece essa Escola em custos e sucesso e quantidade de alunos e no tratamento das origens do jazz?

 

PM –  Estudei 3 anos na escola do Hot e dei lá aulas talvez  a partir de 1992-3 até 2006. Tem um ensino especializado, com excelentes professores, alguns também da Jbjazz. O custo acho justificado, se uma pessoa quer aprender como deve ser, tem de pagar um preço, eu próprio quando estive  5 anos nos EUA, gastei  uma fortuna , e a verdade é que educação não tem preço Tem saído de lá alguns dos melhores músicos portugueses. Em relação ao tratamentos das origens do jazz, há um grande respeito, ajudam os alunos a ganhar amor pelos grandes clássicos do jazz, mas,  na minha opinião só falham totalmente quando teem aulas de História do Jazz desde há muitos anos, em que se dão lavagens cerebrais aos alunos, sobre o que devem ouvir e rejeitar. Pelo que ouço contar de alunos ao longo dos anos, e que também presenciei, falam mal do baixo eléctrico, vocalistas  e outros instrumentos como potenciais solistas no jazz, e fala-se mal de estilos de música como rock, pop, world music , e algum jazz de fusão. Quando temos professores a dizer mal do Pat Metheny, Mike Stern, Weather Report, e muitos outros, e fala-se do jazz como se  se falasse do futebol dizendo que só o Benfica é que é bom, criam-se preconceitos idiotas  nos alunos, e só se revela uma total ingenuidade e fundamentalismo idiota  sobre o que é música boa ou não. Musica boa não tem estilo, ou tem qualidade ou não tem E francamente, dizer mal do Pat Metheny, um dos melhores compositores  e guitarristas de sempre, é um pouco triste. Nos anos em que dei lá aulas, dei workshops de coisas importantíssimas como teoria rítmica indiana Gamalataki, Composição, Jazz Eléctrico, e a direcção tentou sempre encaminhar os alunos para outros workshops que não os meus, como coisas mais tradicionais  e clássicas , até ao ponto de dizer que os meus cursos não tinham aberto (isto no ultimo ano em que lá estive). Acho mal haver essa influencia parcial  negativa nos alunos, logo, o tratamento das origens do jazz deve ser feito sempre com a noção de que esta música evolui e renova-se, e que se não fosse aberta à fusão de estilos, nem sequer tinha evoluído nem  era tão conhecida como é hoje.

 

JD – jazz ensina-se?

 

PM – Claro que se ensina. É uma linguagem, e tem de ser trabalhada com método. Existem músicos que dizem que são  autodidactas e que não precisam de estar numa escola. Isso é uma treta, isso até poderia funcionar com o Paco de Lucia no ambiente musical de  ciganos músicos em que cresceu, mas em Portugal, não há tradição nenhuma forte musical para além do fado. Não só se ensinam as bases, como se ensina o aluno a poupar muito tempo e evoluir rápido com conjuntos de exercícios e técnicas, que demorariam anos e anos de confusão e a andar aos circulos se não se ensinassem. Quem diz que o jazz não se ensina nem sabe do que está a falar.

 

JD – tem tocado em palcos portugueses de clubes e festivais? que lhe diz a escolha dos músicos para tocarem em Portugal? portugueses e estrangeiros e qual a melhor escolha ao longo dos anos?

 

PM – Toquei em quase todos os festivais e clubes cá. A  escolha às vezes não favorece os nossos músicos, e tudo o que vem de fora é preferido. Acho por um lado bom dar a conhecer as melhores coisas que existem lá por fora, mas por outro, deveria  haver mais festivais  só com músicos portugueses. Quanto às programações em termos de estilo, em minha opinião existem demasiados festivais que vendem freejazz e música improvisada como jazz, e vendem gato por lebre. Claro que existe bom freejazz, mas existe também muita charlatanice. Eu estudei freejazz com um colaborador durante 12 anos de Ornette Coleman,  Karl Berger, que foram os fundadores da Creative Music Studio  em Woodstock nos EUA, a 1a escola onde se ensinava freejazz, improvisada e worldmusic e sei do que estou a falar.

Infelizmente, vejo muita coisa cá que não posso deixar de ser coerente e deixar de criticar a qualidade. E há muitos festivais que tem programadores que promovem seus gostos pessoais, muitas  vezes dúbios,  e promovem esses músicos que muitos mal sabem tocar uma escala ou usá-la de forma criativa. É muito fácil escondermo-nos debaixo de uma concha e dizer que somos conceptualistas e que o que tocamos é arte,  e muitos desse músicos abusam e aproveitam do facto de a maior parte das pessoas ter pouca cultura musical e como não  percebem  nada do que eles estão a fazer, pensam que a música deve ser boa. O facto de 4 músicos se juntarem e tocarem cada um para seu lado umas ideias a tentar juntá-las, não faz disso uma peça musical ou faz deles músicos, qualquer pessoa com 1 ano de prática de um instrumento, consegue tocar uns sons. E as pessoas se forem minimamente inteligentes percebem isso.

Algumas entidades tem sido responsáveis pr más programações. Uma editora na qual eu tenho um cd, e cujo criador tenho muito boa relação, infelizmente passou anos e anos a colocar cd's de qualidade muito duvidosa inspirados em freejazz ou improvisada, nas estantes das FNACS, a promover discos  fracos e duvidosos  ao lado de grandes cd's de Keith Jarret, Coltrane, Mehldau, Bill Evans, Metheny, etc. O problema é que depois passou às programações e continuou com esse toque de gosto pessoal, fazendo programação em vários festivais, roubando trabalho a músicos de jeito  portugueses e  mostrando coisas de músicos às vezes muito duvidosos. Portugal tem sido alvo da pilhagem ou de classes dominante no ensino e concertos, ou de editoras dominantes e programadores que deveriam ter uma abordagem mais equilibrada.

 

JD – porque escolheu a guitarra com som amplificado?

 

PM – O primeiro guitarrista de jazz  que ouvi foi  John Abercrombie , num dos seus antigos cds em quarteto. Seu som super misterioso, abafado e lírico, fez-me logo ter vontade de tocar jazz e possuir aquele som. Depois seguiram -se Jim Hall, Pat Metheny, Scofield e Frisell, e claro clássicos como Wes Montgomery e Joe Pass. Para se tocar em grupo e ter-se uma boa projecção das nossas frases, tem de se tocar guitarra eléctrica.

 

JD – que lhe parece a situação do jazz em Portugal no nível artístico de seus músicos e à divulgação de suas atividades na Rádio e TV?

 

 PM – Em termos de rádio poso citar a Antena 2, que faz algum bom trabalho de divulgação do jazz. A TV é uma miséria, e é responsável pelo povo ignorante, inculto, e com gostos horríveis, que não tem nada a ver com música de qualidade que temos.

No nível artístico, há cada vez mais músicos muito bons... Depois da grande geração de Carlos Barreto, Zé Eduardo, Carlos Bica, Laurent Filipe, Carlos Martins, Maria João, Mário Laginha, seguida de Mário Delgado, Frazão, Yuri Daniel, Sasseti, os Moreiras, etc, seguiu-se  a fornada  de músicos do Hot, dos anos 90,  como Afonso Pais, André Fernandes, Bruno Santos, Nelson Cascais,  Nuno Ferreira, Nuno Costa, Sara Serpa, Ana Paula Sousa , João Hasselberg , Desidério Lázaro, César Cardoso, que  tive o prazer de ensinar e motivar a ser bons músicos  e  que por sua vez ensinaram grandes talentos que estão a sair das universidades, como Gonçalo Neto, Pedro Felgar, Ricardo Toscano,   André Murraças, João Mortágua, etc.

Há cada vez mais músicos  bons ,  que afecta também o mercado de trabalho, traduzindo-se em menos locais para tocar. O jazz já não está na moda, infelizmente, o que está na moda são os DJ'S. Ninguem vai aos concertos de jazz em bares, vão os próprios músicos ver os seus colegas a tocar, e pouco mais.Os próprios alunos também não vão a concertos, ficam em casa a ver videos dos seus heróis no youtube,  a internet e os DJ'S deram cabo disto tudo

 

JD – quantos CDs já publicou e com quem neles trabalhou?

 

PM – Já gravei 5 cd's, poderia já ter uns 10 ou 15, mas infelizmente  tive 10 anos sem gravar, por causa de uma tendinite recorrente que me fazia sentir não preparado técnicamente para gravar. Meu 1º cd, foi o FAST LIVING, uma espécie de tese de mestrado meu de Composição, dado que o cd é válido primeiramente pelas  composições.Gravei esse cd, com Yuri Daniel no baixo, Ruben Alves no piano e um excelente músico alemão baterista, Derjan Terzic.

O 2º e 3º cd fazem parte de um projecto meu, o ''EARTH TALK''  de jazz mais contemporâneo e gravei com o mesmo baterista alemão, e mais 2 colegas alemães, Wolfgang Fuhr saxofone tenor e Pete Berns no contrabaixo e Nelson Cascais no contrabaixo do 2º cd, chamado ''The sound of places''. O 4º cd, foi o ''U.N.derpressure'', um cd que  tenta explorar o legado musical deixado pelo jazz eléctrico de Miles Davis, e misturando-o com um pouco de worldmusic, e que gravei com um trompetista alemão Johannes Krieger  e Miguel Amado no baixo e Vicki na bateria.Estive frequentemente na Alemanha de 2001 a 2006, o que facilitou trabalhar com muito músico alemão.

O  5º CD falo dele na próxima pergunta.

 

JD – seu CD mais recente de 2015? é ‘That Smile on Your Face’ será em CD jazz ou nele há influências de outras Músicas? quem nele toca? e recorreu a financiamentos que propôs a quem?

 

PM –Este 5º cd, é o primeiro gravado ao fim de 10 anos, e representa o culminar da  minha visão como compositor de música de influências globais. Quis compor temas que fossem super directos, com melodias fortes, e que apesar de serem complicados de tocar, soassem acessíveis à maior parte do publico de jazz e também de outros estilos.Tenho sempre essa preocupação agora, sei que quando quero, posso gravar um cd de musica de jazz moderna e esotérica, mas sei que assim acabo a tocar para audiências de 10 pessoas

Vejo esse problema actualmente, está na moda compor temas muito estranhos, com melodias sinuosas e pouco cantáveis, e acho que qualquer músico consegue fazer isso com alguma facilidade. Agora compor uma música directa,orgânica,  sem perder qualidade e que atinja  uma maior audiência, é bem mais difícil.

Os estilos neste cd misturam se numa música bem orgânica, com influencias de bandas sonoras de filme, tango, latin, bossa, fado, e worldmusic de leste da Europa.

Para o gravar, apostei numa instrumentação diversificada, com acordeão - João Barradas, voz - João David Almeida, piano - Diogo Vida, Baixo - Yur Daniel e bateria - Bruno Pedroso.

Como foi um cd de grande produção em termos de ensaios, logística e  quase um ano a compor, tive de recorrer ao financiamento por Crowdfunding e ao auxilio por donativos de vários amigos.

 

JD – que lhe parece o jazz de John Scofield e Bill Frisell?

 

PM –Adoro tanto um como o outro.Trouxeram um leque de variedade de estilos ao jazz, que era necessário, um com o estilo mais Funky e Bluesy,  outro com um toque mais  Country e fílmico. São artistas que ninguém pode sequer atrever-se a negligenciar (daí a minha crítica às aulas de Historia do Jazz em algumas escolas como mencionei na 1a pergunta) ou criticar desconstrutivamente. Eu classifico os músicos em 3 categorias. Existe a mais baixa, que são apenas os executantes. Existe a 2a, que são os músicos, que tocam bem,  mas  tem algo pessoal. E existem os artistas, a mais elevada classe, que são músicos executantes com um visão tão forte  e que criaram um mundo tão pessoal e original ,que estão acima de qualquer outro músico. Scofield e Frisell enquadram-se nesta  categoria.

 

JD – vive dos euros que ganha com o jazz? quanto paga um clube como o Hot – na prática o único clube jazz lisboeta - a um músico que convida para tocar na sua sede?

 

PM –Eu tenho de dar umas aulas em escolas e faço também uns  workshops, para além de tocar em concertos.Tirando talvez o Mário Laginha e a Maria João, todos os músicos de jazz portugueses  regra geral, tem de dar umas aulas para equilibrar as finanças.

Existe de momento mais bares ocasionais com jazz ao vivo, regra geral é pagarem 50-60 eu por noite a cada músico o que é péssimo, dado que quando começei a tocar ao vivo, em 1990, era o que se ganhava, e dava para esticar muito mais.

 

JD – vale a pena um músico dedicar-se ao jazz ou será que o rock atual que enche salões com jovem público em pé e de braços no ar é mais compensativo?

 

PM – Zé, já nem se pode falar  também em rock. O que vinga agora é os DJ'S  e a música de discoteca, que geralmente , não tem nada a ver com música mas mais com envelope de som e engenharia de som. Jazz é muito  complicado, ainda mais num país como Portugal, com um meio cultural muito pequeno. Vivemos numa geração de ''fast food'' em tudo, as pessoas querem ter sensações e sabores rápidamente, sem ligar muito ao conteúdo, e se a música que fizeres se inserir nesse contexto,  aí sim poderás ter  maior compensação monetária e muito  maiores audiências, que te tratarão como se fosses Mozart (saio muito e já presenciei isso tantas vezes). É incrível a falta de cultura e burrice actual das pessoas. Tenho impressão de que quando havia menos oferta e estilos de música, as  pessoas eram mais selectivas. Hoje em dia, faz-se música com um pc sem se sair de casa, e qualquer porcaria pode vencer e ter um tratamento ''viral'' que chega a milhões de pessoas. É a geração do ''fast food''

 

JD – como compositor quais as suas influências: jazz ou outra Música ou a combinação de sonoridades e conceitos estáticos? compõe muita Música? chama-lhe jazz?

 

PM –Adoro esse pergunta.Todos os estilos de música me influenciam, começando pelo jazz, clássico, moderno, fusão, worldmusic, e tenho também grandes influências de clássica.Também a música de filme me influencia e também a melhor música de discoteca, com mais qualidade e algum sumo que não seja só o ''envelope''.

Também outros tipos de arte me influenciam, como a pintura, e também a Natureza .

Componho muito regularmente, o ano passado até completei um livro que ainda não publiquei chamado ''365'' que consiste em uma composição composta por dia durante um ano desde outubro de 2014. O estilo depende. Componho em vários estilos, umas tem mais conteúdo jazzístico, outras tem mais vários estilos cruzados. O nome que lhe chamo não interessa,  o que interessa é que seja orgânico e conte uma história.

 

JD – e que tal tocar jazz no estrangeiro com músicos locais? em Manhattan no clube ‘Standard? emigrante…

 

PM – Já toquei muitas vezes lá fora e já trouxe muitos músicos de fora. Sai caro organizar concertos com músicos convidados estrangeiros e é uma grande dispensa de energia também. Mas o que interessa referir nesta pergunta sua, é que o jazz é uma música que já não tem nacionalidade, é uma linguagem universal que junta artistas de vários estilos e conceitos, e que fazem esta música evoluir por inúmeras metamorfoses e sentimentos. Já não é música de negros ou brancos ou de americanos ou europeus. É uma música de de expressão e emancipação da alma, e a alma não tem país.

 

JD – os jovens músicos portugueses tocam de maneira parecida uns com outros e todos – raras exceções – não “ultrapassaram” o bebop o jazz então moderno o dos anos 40 sua opinião é?

 

PM – Falso Há excelentes músicos portugueses, e há uma enorme variedade de estilos e conceitos.Acho na verdade que tocam quase todos de maneira diferente, e isso é uma mais valia para um meio salutar, em que temos de nos aceitar todos , desde que o nivel seja bom, independentemente do estilo ou maneira como tocamos

No meu caso, há pessoas que me rotulam de músico de fusão, o que é  ridiculo, porque essas pessoas não sabem que a única coisa que estudo em casa todos os dias são 5-6h de ''standards'', desde há muito tempo. Óbviamente quando vou tocar, quero apresentar meu trabalho de composição ,e  aí poderei tocar algo que  não seja tão apoiado  na tradição, porque procuro um rumo original para a minha música.

Acho salutar todos os nossos músicos saberem e desenvolver bem  a  linguagem de jazz tradicional, mas que quando toquem ao vivo, que apresentem propostas e coisas actuais, porque toda a música que pare no tempo, torna-se numa arte de museu E acho que aqui em Portugal, muitos  de nós tem essa preocupaçãoPara um meio pequeno como o nosso, só posso dar os parabéns a todos

 

JD – obrigado Pedro Madaleno

 
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