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Jairo de Lara
28-01-2015
 

José Duarte – vamos aos dados pessoais – é brasileiro de nascimento julgo saber é Músico e em que nasceu onde nesse Brasil continente?

 

Jairo de Lara – Sim, sou músico brasileiro e nasci em uma cidade do interior de Minas Gerais, chamada Divinópolis, de onde vem toda minha ligação com a música.

 

JD – os brasileiros dado o tamanho de sua Pátria tem características diferentes consoante onde nasceram assim sendo mineiro com quem começou a estudar Música e como se interessa por jazz?

 

JdeL – Você tem razão. Pela proporção continental de nosso país, convivemos com uma diversidade musical muito grande, e julgo não conhecermos bem toda a música que se faz aqui. Alguns artistas se projetam por alguma razão que desconheço, mas ainda há muita música desconhecida por aqui. Minas Gerais é conhecida pela riqueza harmônica que foi muito difundida pelo grupo de Milton Nascimento quando este se projetou internacionalmente, principalmente nos Estados Unidos.

Eu me iniciei em música pelas mãos de meu pai, que sempre foi um músico amador e ensinou-me os primeiros rudimentos teóricos. Após isto vivi experiência de música vocal, cantando em coral infantil na minha cidade,  e que era regido por um frade franciscano holandês chamado Frei Joel Postma, que era um grande conhecedor de harmonia  modal e que ensinou-me um pouco mais de teoria. Mais tarde vim saber que esta forma de harmonia (modal) é largamente utilizada na improvisação no Jazz.  Meu contato com Jazz só veio mais tarde, depois de ouvir o disco Slaves Mass do Hermeto Pascoal, que despertou em mim o interesse para audição de jazzistas estadunidenses. Até então meu interesse era música vocal. Na verdade,  descobri que queria ser músico profissional quando ouvi Beatles pela primeira vez. Gosto muito de harmonia vocal até hoje.

 

JD – toca que instrumento ou instrumentos?

 

JdeL – Os instrumentos que utilizo profissionalmente são: flauta, saxofones (soprano, alto e tenor) e violão. Em meu estúdio de gravação, aqui em Belo Horizonte, onde moro atualmente, utilizo ainda piano, mas apenas para harmonizar, não tenho técnica para voos solos.

 

JD – flauta tenho uma flautista que é filha minha e que se queixa da falta de emprego dela e da flauta em Portugal estudou em Boston no Berklee e agora reside em Los Angeles dá ideia que fugiu de sua Pátria e provavelmente é verdade seguindo frase do primeiro ministro deste governo português que está a acabar… há eleições em breve e porquê você escolheu flauta? aliás é Mestre no usa da flauta em sua Música…

 

JdeL – Primeiramente, obrigado por teres gostado de minha performance na flauta, pois tendo filha flautista, seu comentário muito me honra.

Flauta foi meu primeiro instrumento. Aprendi um pouco com meu pai, que era exímio em uma pequena flauta de flandres, alemã que contém apenas seis orifícios, de onde tirava os sons mais incríveis. Penso que vem daí minha afeição pela flauta. Parece que existe sim uma afinidade física com ela. Me sinto muito bem tocando este instrumento. Mais tarde estudei com professor Juvenal Dias (já falecido), 1º flautista da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais.

 

JD – toca e tocará muito no seu Brasil? onde?

 

JdeL – Sim, já toquei muito por vários lugares com vários artistas brasileiros e também com minha música autoral. Morei durante 15 anos no Rio de Janeiro e toquei com os músicos mais importantes no período que compreende entre 1972 até 1987. De 1988 até hoje resido em Belo Horizonte, onde continuo tocando com os importantes músicos que trabalham aqui. Aí posso incluir vários gêneros musicais, não só música instrumental, mas principalmente cantores como: Zizi Possi, Nara Leão, Dalto, Zé Keti, Marku Ribas, Tavinho Moura, Oswaldo Montenegro, Paulinho Pedra Azul. E ainda música instrumental com Nivaldo Ornelas, Túlio Mourão, Toninho Horta.

Alguns destes nomes provavelmente não são conhecidos aí em Portugal, mas são bastante famosos por aqui.

 

JD – a sua discografia diga-nos com quem e título de seus discos e instrumento que tocou?

 

JdeL – Nesta discografia eu incluo um disco de meu grupo vocal chamado AdCanto, que foi gravado pela RCA, que mais tarde aqui no Brasil de transformou em BMG. Isto foi em 1982. Neste disco eu, além de vocal, compus parte das canções e toquei violão, flauta e escrevi alguns arranjos.

Tenho um disco que criei para bebês, com a finalidade de abaixar a frequência das ondas cerebrais, acalmando e harmonizando os hemisférios do cérebro. Chama-se Canções Brasileiras de Ninar. São estas canções em forma de pequenas suítes instrumentais, com a utilização de uma frequência de 0,5 ciclos. Como se fosse BPM de 60 beats, ou seja: metrônomo em 60. Neste disco toco todos os instrumentos: teclados, flauta, violão e me utilizo muito de samplers.

Outro disco, que também segue esta linha, digamos, “terapêutica”, chama-se Sanctum, porém agora dirigido ao público adulto.
Também tem a função de trazer a frequência de ondas cerebrais para 0,5 ciclos. Este é o disco de uma música só, que tem a duração de quase 60 minutos. Toda ela com o mesmo BPM. Também nele toco todos os instrumentos, incluindo agora o saxofone soprano.

Por fim tem o disco Rei Congo. Este sim, com uma proposta jazzy. Nele utilizo as batidas do Congado de Minas Gerais, uma manifestação afro-religiosa que me fascina desde a infância. Muitos tambores e outros instrumentos de percussão como “gunga”, “tamboril” e “patangome” são usados para reproduzir o ambiente que eu queria nele.  Estas “batidas”, originadas das “senzalas” e depois dos “quilombos” , ganham uma conotação completamente inusitada quando somadas a “pianos”, “guitarras”, “baixo elétrico”, “bateria”, “saxofones” e “flauta”.  Minha ideia era esta: trazer minha infância pra um universo mais jazzistico, onde há o campo das possibilidades, garantido pela improvisação.

Minha discografia é pequena. Talvez por eu ter um estúdio de gravação, onde gravo trabalhos de outros artistas, acaba não sobrando tempo para gravar meus próprios projetos. Isto é extremamente paradoxal. Mas para 2015  já estamos em estúdio fazendo a pré produção de um novo trabalho que será como uma continuação desta temática anterior e se chamará “Quilombo Jazz”.

Fora isto, participei da discografia de outros fazendo arranjos em discos de Zizzi Possi, Raul Seixas, Maurício Tizumba, Marku Ribas, entre outros.

Tocando flauta e saxofone em discos de Tavinho Moura, Nivaldo Ornelas, Túlio Mourão, Marku Ribas, Rubinho do Vale, Sérgio Moreira, entres outros tantos.

JD – você compõe e arranja? estudou para isso?

 

JdeL – Em tudo sou autodidata. Apenas tive algumas aulas para entender o que eu já fazia e para adquirir mais segurança. Por isto fiz aulas de harmonia com um professor húngaro que tem uma escola aqui e se chama Ian Guest, que também foi professor de grandes músicos por aqui, como Toninho Horta, Wagner Tiso, Cristóvão Bastos e muitos outros.

Fiz aulas de arranjo com um maestro alemão, que também viveu no Brasil, chamado H.J.Koellreutter, já falecido, e que foi professor de vários artistas brasileiros, inclusive Tom Jobim.

Ambos foram muito importantes para abrir horizontes.

 

JD – quais são os seus autores jazz favoritos nos USA?

 

JdeL – Tenho afinidades musicais com vários deles. Gosto das composições de Russel Ferrante (Yellow Jackets), Michael Brecker, Jaco Pastorius, Duke Ellington, John Coltrane, Miles Davis, Joshua Redman...

 

JD – já agora longe que estamos um do outro pergunto-lhe tudo… e da Europa e do Brasil?

 

JdeL – Na Europa conheço alguns músicos que gosto muito como: Jan Garbarek, Miroslav Vitous, Arild Andersen, Terje Rypdal, Stefano di Batista...  Alguns portugueses que já ouvi como: Carlos Martins, Carlos Barreto, Mário Laginha, Carlos Bica, José Peixoto.

No Brasil gosto de muitos: Hermeto Pascoal, Tom Jobim, Edu Lobo, Pixinguinha, Radamés Gnattali, Moacyr Santos, Paulo Moura, Egberto Gismonti...

 

JD – em Portugal há muito imigrante brasileiro e daí muito interesse pela Música brasileira sabia?

 

JdeL – Pois é, vejo que há muito interesse pela música brasileira em vários países. Esta música que mistura a música portuguesa, um pouco da holandesa e mais a espanhola, com a música negra trazida pelos africanos que aqui sofreram com a escravidão, cria uma textura única e diversa, que não se ouve pelo mundo afora. Fico feliz ao saber deste interesse, pois pretendo fazer alguns trabalhos aí na terra de meus ancestrais, tenho parentes que sei morarem no Chiado, aí em Lisboa. Meu bisavô era português.

 

JD – qual é no presente o ‘génio’ ou os na Música brasileira depois de Gil e dos baianos?

 

JdeL – A música que aqui hoje frequenta a mídia é a pior música de todos os tempos. Acho que nunca se ouviu no rádio e na televisão tanta música ruim. Porém, como estamos no Brasil, há muitos músicos produzindo coisas maravilhosas que precisamos garimpar para termos acesso. Há vários músicos criando belos trabalhos como: Guinga, Sérgio Santos, Celso Viáfora, Vander Lee.

Eu não sou muito bom para guardar nomes, mas há muitos outros de quem gosto e que estão fora da grande mídia,

 

JD – fala-nos sobre seu CD «Rei Congo» de 2005 muito África o que só lhe faz bem…

 

JdeL – Acho que me excedi quando você perguntou-me sobre discografia e acabei falando o que agora me pergunta. É um disco que me fez muito bem, pois as batidas destes tambores do Congado viajam comigo desde a infância em minha terra e eu sempre quis fazer alguma coisa que as trouxesse de volta ao presente.

 

JD- conheces a MPP Música Popular Portuguesa? fado folk jazz comercial? qual delas prefere?

 

JdeL – gosto muito do fado tradicional. Transporta-me a uma atmosfera que não sei de onde vem, creio ser memória ancestral. É muito bom ouvi-lo aí “in loco”, acusticamente, sem microfones, apenas os instrumentos e a voz, como tive oportunidade de ouvir no Porto.

 

JD – jazz é Música popular no Brasil? Sérgio Mendes foi o primeiro brasileiro da Música a ser popular nos USA não foi? ele ainda toca?

 

JdeL – Não, jazz não é popular no Brasil. Apenas “iniciados” ouvem jazz. Na verdade, nós aqui usamos mais a terminologia: Música Instrumental Brasileira, porque nossa maneira de tocar e improvisar soa bem diferente da maneira de tocar dos EEUU. Não soa, nem nunca irá soar como o jazz tocado por um estadunidense. O que é muito bom, pois soa como algo “diferente”.

As rádios que tocam este tipo de música são raras e muito segmentadas. Algumas tocam em apenas alguns horários.

Há uma rádio aqui em Belo Horizonte, chamada Rádio Inconfidência FM,  que cunhou um slogan que diz: “Belo Horizonte, a capital da música instrumental”. Isto porque há uma pesquisa que diz que a maior concentração de músicos instrumentistas brasileiros criando profissionalmente está aqui. Isto é muito bom, mas nem de longe eleva o jazz à categoria de “popular”.

Quanto a Sérgio Mendes, sim, ele está ativíssimo. Mora nos EEUU desde aquela época da Bossa Nova até os dias de hoje, tocando, gravando muito, e atuando como produtor musical.

 

JD – o saxofonista Stan Getz (what Stan wants Stan Getz) teve muita importância no aumento das vendas mundiais da nova bossa – qual a sua opinião?

 

JeL – Há um livro que conta bem esta história da Bossa Nova nos EEUU.  O livro se chama História do Samba Jazz, escrito pelo crítico de jazz e grande conhecedor da música instrumental brasileira, José Domingos Raffaelli, falecido recentemente. Em determinado momento que ele diz:

“Dois acontecimentos importantes ocorridos em 1961 deram um impulso extraordinário à música brasileira moderna quando tocaram no Brasil os conjuntos American Jazz Festival e o quinteto do trompetista Dizzy Gillespie. Seus músicos ficaram encantados ao ouvirem bossa nova pela primeira vez, cuja existência desconheciam. Ao regressarem, Dizzy Gillespie, o trombonista Curtis Fuller, os saxofonistas Coleman Hawkins e Zoot Sims, o flautista Herbie Mann e o pianista Lalo Schifrin gravaram discos com temas de bossa nova. Em março de 1962, o saxofonista Stan Getz gravou o disco "Jazz Samba" com o quarteto do guitarrista Charlie Byrd; seu sucesso imediato e estrondoso traduziu-se na venda de 1 milhão e 600 mil cópias na primeira semana. .

 

Motivado pelo sucesso fulminante da nova música brasileira, em novembro de 1962, Sidney Frey, presidente da gravadora Áudio Fidelity, organizou um concerto de bossa nova no Carnegie Hall, o templo da música americana, em Nova Iorque. Vários músicos, cantores e conjuntos brasileiros apresentaram-se no evento, aumentando o interesse dos americanos pela bossa nova. O concerto foi gravado pela Áudio Fidelity no disco "Bossa Nova at Carnegie Hall".

 

As emissoras de rádio americanas tocavam discos de bossa nova sem parar. Foi a abertura não oficial de um mercado internacional de trabalho para nossos músicos e cantores.

Paralelamente, músicos e cantores americanos gravaram uma enxurrada de discos de bossa nova, vários com participações de artistas brasileiras, incluindo Sérgio Mendes, Tião Neto, Hélcio Milito e Chico Batera.”

 Acho que isto foi o começo de toda esta história da música brasileira e dos músicos brasileiros nos EEUU.

JD – tenho uma opinião sobre Música do Brasil que gostava apreciasses: é melhor a Música negra brasileira do que as outras (o Brasil tem muitas músicas) as outras são cool a negra é hot tal qual o jazz – não respeitei as excepções escrevi sobre a maioria o que é uma vergonha para quem escreve eu sei mas pequei…

 

JdeL – É, penso que a música popular brasileira não existe sem o negro. Toda a nossa legítima música vem de lá. Com “n” contribuições  sim, mas a matriz é de lá que vem. Todas as “músicas do Brasil” são negras: Samba, Choro, Congado, Maracatu, Frevo, Baião, Carimbó, Xote, etc.

Isto é o que dá “cara” a nossa música.

 

JD – já tocou em Lisboa e em Portugal e na Europa? quando e com quem?

 

JdeL – Apesar de conhecer outros países europeus, o único onde já toquei foi Portugal. Toquei aí no Porto e em Lisboa, numa temporada do espetáculo “MISSA DOS QUILOMBOS”.

Trata-se de uma “missa operária”, onde a música é a tônica, pois todos os atores cantam e a banda está ao vivo dentro de um cenário que reproduz o ambiente uma fábrica com suas forjas, soldas, maçaricos, etc.

Esta é uma peça musical de Milton Nascimento, com poemas de Dom Pedro Casaldáglia e Pedro Tierra. Trata-se de um espetáculo extremamente comovente, de conscientização política, pois aborda a questão da desigualdade social,  e com uma música extremamente pujante.

Gosto muito de fazê-lo, e a temporada em Portugal foi maravilhosa, tendo os teatros lotados, com todos os ingressos esgotados em todos os dias.

 

JD – fale para este mail sobre a portuguesa Carmen Miranda e a brasileira Luciana Souza ambas com voz para cantar e ambas cantaram Carmen popular Luciana jazz

 

JdeL – A Pequena Notável, como era chamada a Carmen Miranda, foi importantíssima e chamou a atenção do mundo para a música que se fazia no Brasil àquela época. Fez tão bem este papel, que foi, por ciúme dos brasileiros, acusada de ter-se “americanizado”. Não há como falar de Música Popular Brasileira, sem falar de Carmen Miranda.

Luciana Souza é uma “ilustre desconhecida” em sua própria terra. Apenas alguns músicos a conhecem. Acho lamentável o Brasil desconhecer uma cantora com o talento de Luciana, que faz um trabalho maravilhoso com a música de seu país no exterior. Adoro tudo o que Luciana canta, principalmente suas performances em duo com Romero Lubambo, outro gigante do violão brasileiro.  

 

JD – muito obrigados lhe estamos Jairo e cá o esperamos a si com sua Música

 

JdeL – Meu caro José Duarte, fico muito feliz de poder falar-lhe de minha música, de meus gostos e afinidades, e das minhas opiniões sobre música e músicos. Sou eu quem agradece pela oportunidade desta entrevista e já me considero um amigo de Portugal, onde aliás fui muito bem recebido, como se estivesse em minha própria pátria. Um forte abraço à você e à todos os músicos, artistas e povo portugueses.

 
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